Segunda-feira e demasiados outros dias

Quando se fala de um ministro das Finanças, por norma, a conversa associa-se imediatamente a números dos indicadores da Nação: do défice, da dívida, dos juros, de orçamento, de execução orçamental, enfim, das contas públicas.

Quando se tem falado de Mário Centeno, particularmente nos últimos dias, os números são outros – só ‘números’. E vai para meses, demasiado tempo, que o país anda a assistir à novela da Caixa Geral de Depósitos em que o ministro aparece como protagonista principal, a par de um banqueiro pouco conhecido da opinião pública até há um ano, António Domingues.

Nas cenas dos últimos capítulos, o destaque vai, obviamente, para a conferência de imprensa de segunda-feira, em que Mário Centeno deu o peito às balas e saiu ferido de morte.

Porque, desde então – desde o «erro de perceção mútuo» que só o ministro percecionou –, Mário Centeno está politicamente morto.

Mas Mário Centeno é um técnico e, como técnico, continua (e continuará) ministro das Finanças.

Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não o deixa(ra)m cair.

Primeiro, porque, ao contrário do que fez António Domingues quando ‘percecionou’ toda a trama, Centeno não se demitiu. Antes reiterou que o seu lugar de ministro das Finanças estava à disposição do senhor primeiro-ministro (pudera!).

Depois, porque o primeiro-ministro, bem sabendo da fragilidade em que se encontra(va) o ministro, mandou-o a Belém falar com o Presidente para este lhe dizer que o superior interesse nacional desaconselhava a sua demissão.

Ou seja, Centeno continua ministro das Finanças, mesmo sabendo que nem Marcelo nem Costa têm genuína e verdadeira confiança nas suas capacidades políticas para o exercício do cargo.

Que não têm. Ou não haveria necessidade de invocar o «superior interesse nacional» para justificar a sua continuidade.

Objetivamente, Centeno pode continuar ministro, mas não tem condições subjetivas para continuar.

Se, mesmo assim, continua, é porque ele, Mário Centeno, quer acreditar que as tem (num óbvio ‘erro de perceção’).

Na verdade, vistos todos estes números e tudo somado, ninguém sai de cena (além de António Domingues e sua equipa) e ninguém sai bem, antes pelo contrário.

Vale a pena atentar noutro ‘erro de perceção’ deste caso. O porta-voz oficioso de António Costa e da ‘geringonça’ João Galamba, acossado com o comunicado do Presidente em que Marcelo procurou demarcar-se da desastrosa gestão mediática do processo, veio ajudar à festa dizendo ser o Presidente da República tão responsável como o ministro. Foi desautorizado, e bem, por Carlos César, presidente do PS.

Tinha de ser. César sabe que o ‘superior interesse’ do primeiro-ministro, do Governo e do PS é a sintonia com o Presidente, particularmente num processo em que, como Galamba, César e todos sabemos, Marcelo e Costa sempre estiveram alinhados – pelos vistos, como mais ninguém.

Por isso, Presidente, Governo e maioria parlamentar aconselham a que o assunto se dê por encerrado o mais rapidamente possível e sem mais.

Porque em matéria de coabitação entre Presidente e primeiro-ministro, o assunto da Caixa Geral de Depósitos, de Centeno e de Domingues, está visto que foi tema de conversa e de acordo entre ambos muito para além dos tradicionais encontros das quinta-feiras em Belém.

Marcelo e Costa têm bem a noção do quão importante é a recapitalização da CGD para o futuro da Nação a curto, médio e longo prazo.

E se Domingues foi essencial para ganhar a confiança de Bruxelas na capacidade da Administração do banco público comprometer-se com a execução do plano para a recapitalização, havia que o manter pelo tempo que fosse necessário. E manteve-se… até ser dispensável. Tudo o mais, foram fantochadas.

Já quanto a Centeno, é óbvio que o Presidente da República e o primeiro-ministro também previram o risco de o sacrificarem.

Mas não o fizeram. Porventura porque só ambos saberão qual a verdadeira medida de culpa e de censura de Centeno em toda a trama.

Por outro lado, porque as contas públicas (os números que realmente são da competência do ministro das Finanças) estão surpreendentemente melhores do que muitos esperavam – basta atendermos à avaliação pública que dos mesmos agora faz o próprio Presidente.

Em suma, e como ficou claro, o que importava era fazer passar o plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos em Bruxelas. E esse desígnio está alcançado.

O «erro de perceção mútuo» de Centeno e de Domingues, neste processo, existiu mesmo, mas foi outro: foram usados em nome do ‘superior interesse nacional’.

Domingues percebeu-o e bateu com a porta.

Centeno ainda está para o perceber ou – hipótese que não pode ser descartada depois da desastrada conferência de imprensa de segunda-feira – prefere mesmo continuar ministro, fingindo que não percebe. Só pode!