Atrás de mim

‘Atrás de mim virá, quem de mim bom fará’. Cito de memória o ditado popular que Cavaco Silva pronunciou convictamente perante as televisões depois de ter deixado o cargo de primeiro-ministro, em 1995, após 10 anos no lugar. E assim foi. Dez anos de pousio fizeram-no regressar em força à corrida presidencial de 2006, para…

«Cavaco Silva tem ‘estrelinha’», ouviu-se na passada quinta-feira, 16 de fevereiro, na apresentação do livro Quinta-feira e Outros Dias, no auditório a abarrotar do CCB.

Até parece sorte lançar um livro de prestação de contas dos anos na Presidência num momento em que o atual Presidente tem o seu primeiro revés político sério; num momento em que Marcelo Rebelo de Sousa, para além de ouvir as críticas do seu próprio partido, o PSD, tem de lidar, pela primeira vez, com as críticas do PS e restante esquerda.

Mas não creio que seja só sorte. Cavaco Silva deve ter-se posto a compilar material e a escrever com a convicção profunda de que lhe bastaria aguardar, pois o tempo acabaria por dar-lhe razão. A sorte, de facto, precisa de muito trabalho e cálculo…

O livro é justificado assim: «Entendo que é altura de completar a prestação de contas aos portugueses, dando público testemunho de componentes relevantes da minha magistratura que são, em larga medida, desconhecidos dos cidadãos».

O grosso volume está dividido em três partes: I. Passos de uma vida feliz (sobre a família e o percurso); II. As quintas-feiras; III. Acreditar nos portugueses.

A parte II é a verdadeiramente picante, porque é a história das reuniões de Cavaco Silva com Sócrates. E é picante por vários motivos.

Primeiro, pelos intervenientes: quem vota em Cavaco odeia Sócrates e vice-versa. Segundo, pelo registo minucioso e exaustivo das 188 reuniões havidas. Terceiro, pelo método: revela conversas entre o Presidente e o primeiro-ministro.

Os trinta pontos deste capítulo são tão elucidativos como: ‘A falta de bom senso de um ministro’; ‘Um ministro que falava demais’; ‘O primeiro-ministro e a comunicação social’; ‘Os dias loucos do Orçamento do Estado para 2011; ‘O PEC 4 e a demissão do primeiro-ministro’; ‘Portugal à beira da bancarrota’.

Logo no início, Cavaco Silva diz sobre os primeiros contactos com Sócrates: «Diziam-me que como governante era determinado, voluntarista e pragmático, com um espírito fazedor mas que de socialista tinha muito pouco. E que pessoalmente tinha um feitio muito difícil: teimoso, até obstinado, prepotente, agressivo, irascível, capaz de mentir e que se exaltava com facilidade». Isto em 2006. Já sobre o fim, em março de 2011, aquando da inesperada apresentação em Bruxelas do famoso PEC 4, escreve: «Considerei uma total e inadmissível falta de lealdade institucional o primeiro-ministro tê-lo feito sem me dar previamente qualquer palavra».

Embora não seja novidade que a relação entre os dois tinha a mesma dinâmica da relação de Maomé com o toucinho, esta era a história que precisava de ser contada, pois só conhecíamos o lado de Sócrates.

E para quem se picar – e está a pensar ir zurzir para as redes sociais –, Cavaco Silva avisa: zero de redes sociais. Não tem, não lê.