Aeroporto chega ao Montijo muitos milhões depois

De 1998 a 2012 foram gastos milhões para estudos que ficaram na gaveta. Mas o valor desperdiçado aumenta para mais de 200 milhões em obras complementares e indemnizações.

O Governo assinou esta semana o memorando de entendimento com a ANA Aeroportos de forma a estudar «aprofundamente» a solução Portela + Montijo. Para o Executivo de António Costa é imperativo responder à necessidade de aumentar a capacidade do aeroporto de Lisboa e «chegou a hora de o país não adiar mais».

De acordo com o Governo, foram desencadeadas, em 2016, várias iniciativas com vista a uma decisão tecnicamente sustentada e as conclusões apontam para o Montijo: «A avaliação realizada a partir destes estudos baseou-se em vários critérios, sendo os principais os custos e o tempo de construção, a operacionalidade conjunta e a simultânea com o Aeroporto Humberto Delgado e as acessibilidades». Ao apresentar a solução, o Governo sublinhou que os estudos que foram realizados, por entidades nacionais e europeias, foram feitos sobretudo por causa «da escassez de estudos realizados anteriormente pelo Estado sobre esta matéria». No entanto, a escassez de estudos de que o atual Governo fala já custou mais de 60 milhões de euros. 

Vamos por partes. O projeto para a construção do novo aeroporto de Lisboa começou por ser pensado de forma a nascer na Ota em 1998, uma altura em que tanto a Sonae e grupo Espírito Santo se juntaram para apoiar Rio Frio. Mas, em 1999, o Centro de Estudos e Desenvolvimento Regional e Urbano (CEDRU) confirmava a Ota como solução. Isto muito embora existissem estudos internacionais a apontar que a Ota não era a melhor opção e que o ideal era tentar ampliar a Portela. 

Foi em abril de 1998 que António Guterres criou a NAER – Novo Aeroporto, que era então a empresa responsável por preparar as condições técnicas que iriam fundamentar a decisão política sobre o projeto. Com esta criação houve uma despesa anual a rondar os 2,7 milhões de euros.

Em 2007, a NAER tinha então de entregar, até setembro, todos os estudos técnicos para que fosse possível o lançamento do concurso para a construção da nova estrutura aeroportuária e a privatização da ANA – Aeroportos. Mas para que os estudos estivessem prontos a tempo, foi necessário assumir, em apenas seis meses, um esforço de 10 milhões de euros de forma a honrar os compromissos financeiros necessários. Por esta altura, esta verba representava 70% dos 14 milhões que estavam previstos para o ano todo.   

Esse era, portanto, o ano em que os portugueses contariam com um novo aeroporto nesta zona. Tudo estava então desenhado: Portugal teria ainda um TGV e uma Terceira Travessia do Tejo.

Mas quando tudo parecia estar perto de ficar concluído, aparece Alcochete como a alternativa mais viável. Ao todo, tinham sido feitos, até 2007, 114 estudos técnicos para perceber se a Ota seria a melhor opção. Tinham então sido gastos, desde 1998, 34 milhões de euros para uma solução que ficou apenas na gaveta: a Ota.

Olhando para o que já tinha sido gasto com a possibilidade Ota, também Miguel Relvas, que era então presidente da comissão parlamentar de Obras Públicas, defendeu que Alcochete seria a melhor opção em vários aspetos e esclareceu que era «preferível corrigir um erro, mesmo a meio do percurso, em vez de deixar acumular erros».

Já Mário Lino, ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, estava contra Alcochete: «Construir um aeroporto na Margem Sul, jamais, jamais».

Marques Mendes, líder do PSD, entra em jogo e faz uma forte oposição ao aeroporto na Ota. As posições a favor e contra multiplicam-se, obrigando Cavaco Silva a apelar a um debate profundo. 

Novos estudos. Novo objetivo: ter um aeroporto em Alcochete. 

Alcochete levanta voo

O ano de 2008 ficou marcado por uma nova fase. O novo aeroporto da capital seria no Campo de Tiro de Alcochete. O anúncio foi feito por José Socrates, a 10 de janeiro desse ano. 

As datas foram colocadas em cima da mesa e as sondagens no terreno começaram a ser feitas, mas a verdade é o que o novo aeroporto em Alcochete acabou por não sair do papel. Mas, depois de muita polémica com um aeroporto na Margem Sul chegou-se a 2012 com mais de 60 milhões de euros gastos para estudar qual seria então a melhor opção. Mais de metade do valor em questão foi canalizado para a solução Ota, que acabou por ser abandonada. O resto foi gasto para estudar Alcochete que também não saiu da gaveta. 

Mas o dinheiro que foi gasto não fica por aqui. Primeiro porque não há dados do que já foi gasto nos estudos que foram feitos entretanto, mas também porque a juntar a esta despesa estiveram também outras obras, que nunca saíram da gaveta, e que custaram aos constribuintes mais uns quantos milhões de euros.

200 milhões despediçados

A preocupação com o novo aeroporto de Lisboa e a procura de soluções acabou por envolver várias outras questões, nomeadamente a questão das acessibilidades. Juntamente com a necessidade de resolver o problema do Aeroporto Humberto Delgado aparecem projetos como o TGV e a possibilidade de ter uma Terceira Travessia do Tejo. E é aqui que aumenta a despesa. Se contarmos com o projeto do novo aeroporto e ainda com o comboio de alta velocidade, o Estado desperdiciou cerca de 200 milhões de euros. Isto porque tiveram de ser gastos cerca de 90 milhões com preparativos de toda a rede, mas este valor ainda aumentou com os custos de pessoal e operacionais, que acabaram por pesar em mais cerca de 30 milhões.

Primeiro, a ideia, que chegou a ser aprovada em Conselho de Ministros, era construir uma ligação entre Chelas e Barreiro. Mas António Costa, na altura presidente da Câmara de Lisboa, baralhou as contas: era melhor que a terceira travessia fosse feita por túnel e não por viaduto. 

Dos vários estudos que já tinham sido feitos sobre este tema, havia um que tinha sido elaborado pela Lusoponte, em 2001, que dava conta que contruir o túnel iria custar cerca de 570 milhões, construir uma terceira ponte custaria cerca de 769 milhões de euros. Conclusão: nem uma opção, nem a outra. Mas o dinheiro em estudos e gastos com pessoal estava gasto.

Mas nem só os estudos para estas obras, que acabaram por ficar apenas na gaveta, pesaram no erário público. O valor do que foi gasto pode ser em muito superior se considerarmos todas as indemnizações que foram pedidas entretanto.

No ano passado, por exemplo, o Estado foi condenado a pagar ao consórcio do TGV 150 milhões de euros. Este consórcio – composto por Soares da Costa e Brisa – tinha ganho a construção do comboio de alta velocidade, mas viu tudo ser cancelado em 2012. O tribunal arbitral acabou por lhe dar razão. Ainda assim, os 150 milhões ficaram abaixo do valor que tinha sido pedido inicialmente e que rondava os 300 milhões de euros.

Contas difíceis de fazer e dados que apenas apontam para o que foi gasto até 2012. Centenas de milhões atirados à rua em estudos e indemnizações.