Há uma nova (velha) guerra entre médicos e Governo

Garantida a reposição do pagamento das horas extra a partir de 1 de março, a ideia de aumentar a idade de trabalho nas urgências está a gerar controvérsia 

Os sindicatos médicos recusam negociar qualquer alargamento da idade de trabalho nos serviços de urgência. Por lei, os médicos estão dispensados de trabalhar à noite nas urgências quando fazem 50 anos e, a partir dos 55 anos, podem recusar fazer qualquer turno nas urgências, seja de noite ou de dia. Na semana passada, no parlamento, o ministro da Saúde disse que queria negociar com os sindicatos para que estes limites etários passem a estar “indexados” ao aumento da esperança de vida, tal como a idade de reforma no país. Os sindicatos já responderam: é uma matéria inegociável.

Na audição na comissão parlamentar de Saúde, Adalberto Campos Fernandes explicou que a proposta lhe tinha sido feita pelo ex-bastonário dos Médicos José Manuel Silva e que significaria aumentar em cerca de dez meses aquilo que são hoje as idades de dispensa do trabalho nas urgências. Ou seja, os médicos poderiam excluir-se das escalas de urgências noturnas perto dos 51 anos e poderiam deixar de fazer urgências na totalidade perto dos 56 anos. Respondendo ao PSD, que considerou a proposta uma “brincadeira”, Campos Fernandes sublinhou que “brincar seria pôr os médicos a trabalhar nas urgências até aos 70 anos”.

Nos últimos meses a reposição do pagamento das horas extraordinárias, sujeito a um corte de 50% de 2012, tem sido o principal ponto de fricção entre médicos e tutela. No início de fevereiro, o Governo acordou finalmente com os sindicados que o pagamento do valor hora extra será reposto a 75% a partir de 1 de março e a 100% a partir de julho. Aparentemente resolvido este dossiê, que vai também motivar um corte no pagamento a médicos tarefeiros, este parece ser o novo ponto de discórdia.

Foi, aliás, na sequência desta explicação sobre a reposição do pagamento das horas extra que Adalberto Campos Fernandes afirmou perante os deputados que, numa primeira fase, a tutela esperava que os médicos, "justamente" remunerados, pudessem voluntariamente fazer urgências para lá das idades limite. O ministro remeteu para um segundo momento e “havendo abertura negocial”, a discussão do limite de idade.

Em comunicado, o Sindicato Independente dos Médicos e a Federaçao Nacional dos Médicos cortam desde já qualquer hipótese de diálogo e dizem ter ouvido a hipótese apresentada pelo ministro com “estupefação”, lembrando que esta é uma matéria do estrito âmbito sindical. Atacam também José Manuel Silva por “uma uma grave violação das competências legais das organizações sindicais, num aparente ensaio de fretes de bastidores.”

Regra em vigor desde 1979

Os sindicatos lembram que as regras de dispensa de trabalho nos serviços de urgência estão instituída desde 1979. “Médico que é, e médico de Saúde Publica, é lamentável que queira associar à penosidade e ao risco associados á prestação de trabalho em serviço de urgência o aumento da esperança de vida, aumento esse para o qual os médicos no ativo têm sobremaneira contribuído”, escreveram os sindicatos num comunicado conjunto. “O Sindicato Independente dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos declaram desde já, e independentemente de eventual tentativa de negociação sindical, que esta é uma matéria que não é passível de entendimento e que, em caso de imposição, despertará na classe médica a mais resoluta e gravosa resposta.”

Nos últimos meses a questão já tinha sido aflorada pela tutela, com os sindicatos a manifestar a sua oposição. A revisão da idade de trabalho nas urgências chegou também a estar em cima da mesa na anterior legislatura, com o governo de Paulo Macedo a defender que médicos mais velhos dotariam as equipas de urgência de maior experiência. Em 2012, avançaram outras medidas polémicas, como o aumento de doentes por médico de família, que agora sindicatos e Ordem querem também reverter. Mas o limite de idade nas urgências permanece há três décadas inalterado.