Fuga de Caxias. Polícia Judiciária não acredita que exista um gangue chileno

Dois dos chilenos que fugiram da prisão de Caxias foram capturados pela polícia espanhola, mas um deles foi libertado. Fonte da PJ disse ao i que “não existe” um gangue chileno e que grupos atuam isoladamente

Pacientes, metódicos e eficazes: os adjetivos que têm sido usados para caracterizar a forma como grupos de assaltantes chilenos invadiram as casas de milionários portugueses podem ser usados também para descrever a fuga dos três reclusos do Estabelecimento Prisional de Caxias, no concelho de Oeiras. Os indivíduos – dois chilenos e um luso-israelita – colocaram-se em fuga na noite de sábado para domingo, depois de terem serrado as grades da janela da cela onde se encontravam, rompido a rede de proteção que ali existia e passado pelas torres de vigia sem que fossem detetados. Estavam em prisão preventiva por furto. Também no recente assalto às Amoreiras, as autoridades suspeitam que o roubo tenha sido perpetrado por cidadãos de nacionalidade chilena. Apesar de todas estas ligações, a Polícia Judiciária (PJ) acredita que não haja uma rede organizada a operar no país e que não faz por isso sentido falar de um gangue chileno.

Fuga rápida, detenção atribulada

Os reclusos evadidos de Caxias poderão ter tido ajuda do exterior, mas as autoridades ainda não confirmaram essa informação. Alguns órgãos de comunicação avançaram que os prisioneiros partilhavam cela com um quarto recluso, de nacionalidade brasileira.

Os reclusos chilenos, Jorge Naranjo e Roberto Ulloa, encontravam-se em prisão preventiva por furtos a residências. Já Joaquim Bitton Matos tinha sido detido pela PJ por suspeita de furto a jogadores de casino, revelou fonte desta força de segurança ao i. 

À hora de fecho desta edição, apenas um dos três fugitivos se encontrava detido. Os dois cidadãos chilenos foram capturados pela polícia espanhola no domingo, no aeroporto de Barajas, em Madrid, com documentos falsos. No entanto, um deles acabou por ser libertado devido a um atraso no envio e receção em Espanha do mandado de detenção europeu, explicou fonte ligada ao processo à agência Lusa. O outro recluso só foi mantido sob custódia policial por ter cometido crimes em Espanha.

“Assim que foi identificada a fuga dos três reclusos, as autoridades portuguesas trocaram a informação necessária não só entre si, mas também no âmbito dos mecanismos de cooperação policial internacional, tendo ainda sido desenvolvidas ações, que continuam em curso, no âmbito da cooperação judicial internacional”, justificaram, através de um comunicado, os ministérios da Administração Interna e da Justiça, referindo que apenas um dos fugitivos estava sob custódia policial e que a segunda detenção estava em curso, sem acrescentar mais pormenores. O cidadão português continua em fuga.

“Não existe” um gangue chileno

Na sequência desta fuga, o “Jornal de Notícias” avançou que o “comando chileno” estaria a oferecer entre 200 mil e meio milhão de euros a quem auxiliasse os reclusos. O mesmo jornal explica que esta verba teria como objetivo ajudar os fugitivos a regressarem ao Chile. Fonte da PJ rejeita esta tese. “Não existe propriamente um gangue chileno, como não existe um gangue brasileiro.” Ou seja, não existe um núcleo de vários cidadãos da mesma nacionalidade a operar de forma orquestrada por todo o país, com ordens específicas de um líder. “O que há são sul-americanos que vêm para a Europa como turistas e que depois vão praticando alguns crimes. Cada um trabalha isoladamente. Quem vem da América Latina sabe que em Portugal é fácil [fazer assaltos] comparativamente com o que se passa lá”, explicou a mesma fonte.

Investigação em várias frentes

Nos últimos meses, o chamado “gangue chileno” foi apontado como suspeito de vários roubos a multimilionários de norte a sul do país. Fonte da PSP chegou a explicar ao i que a “atividade do grupo começou a intensificar-se” na primavera e que os indivíduos entraram em Portugal via Espanha e começaram a movimentar-se pelo país através de células.

O médico Fernando Póvoas foi uma das vítimas desta vaga de assaltos. “Estiveram duas horas na minha casa, das 21h50 às 23h55, e durante todo esse tempo estiveram com a maior calma do mundo. Saíram tranquilamente do local e não deixaram uma única impressão digital”, contou na altura ao “SOL”. Também o empresário António Rodrigues, o quinto homem mais rico do país, foi assaltado por um grupo de cidadãos chilenos.

Mais recentemente, foi o assalto à ourivesaria das Amoreiras a levantar suspeitas. Na segunda-feira passada, dois homens armados roubaram alguns produtos da loja e ameaçaram as empregadas com armas de fogo. Funcionários do centro comercial afirmam que dois indivíduos, parados à frente do estabelecimento nas suas motas, ajudaram os assaltantes a fugir. Os suspeitos continuam a monte.

 O i procurou um esclarecimento sobre quantos indivíduos de nacionalidade chilena foram detidos nos últimos meses e quantos se suspeita estarem a monte, sem sucesso.

“Portugueses recebem-nos muito bem” Andreia tem 33 anos, é chilena e vive em Portugal há dois anos. As notícias que têm vindo a público sobre o chamado gangue chileno em nada influenciaram o seu dia- -a-dia, conta. “Até agora, não tenho tido problema nenhum. Os portugueses são muito simpáticos e recebem muito bem os estrangeiros. Pelo contrário, sempre me senti muito bem acolhida. Ninguém fez qualquer referência em relação a este assunto, só mandaram uma vez uma piada para o ar. Não me lembro ao certo do que foi dito, mas era sobre os roubos e os cuidados a ter com os chilenos.”

Já um português casado com uma chilena, ouvido pelo i, encontra facilmente explicação para este movimento da América do Sul. “Quando vivi lá, e segundo a informações que ia recolhendo nos jornais e nas televisões, percebi que era muito comum os chilenos virem roubar para a Europa, pois era muito mais fácil [realizar assaltos neste continente]. Lá, eles têm as casas todas vedadas e há muitos porteiros. Para além disso, [os ladrões] já estavam cadastrados, lá tinham uma ‘tradição’ do roubo. Começaram a emigrar porque perceberam que era mais fácil realizar um roubo e porque conseguiam mais dinheiro”, explica este homem que pediu para não ser identificado. Sem ser especialista em criminalidade, este português tem a sua análise sobre o sobressalto que se tem vivido por cá. “Lá as pessoas estavam mais preparadas [para os roubos] e tinham mais olho. Cá são mais despistadas”, acrescentou.