Vanessa e Centeno odeiam SMS

A Vanessa já foi várias vezes traída por SMS. Nos últimos dias, sentiu-se a comungar os sentimentos do ministro das Finanças: as SMS nasceram para nos dar cabo da vida. E esta semana caiu numa nostalgia do tempo em que as comunicações eram mais difíceis.

Não sei se já contei mas uma vez um gajo terminou um namoro com a Vanessa por SMS. Ela ficou muito traumatizada. Não sei se estão a ver, aquilo de uma pessoa acordar, espreguiçar-se, dar duas voltas na almofada para aproveitar mais um bocadinho e depois pegar no telemóvel e levar com um banho de água fria. Há quem sonhe com despertadores com jatos de água dirigidos à almofada – aquelas pessoas que têm enormes dificuldades de acordar e estão sempre a inventar desculpas por chegarem atrasados a todo o lado. Mas, segundo a Vanessa me diz, um SMS de um tipo qualquer com quem se tinha uma relação próxima do sentimentalóide faz o mesmo efeito. Fica-se logo acordado. É uma vantagem para quem tem compromissos de manhã cedo. De resto, é um bocadinho chato uma pessoa acordar de manhã com um SMS a dizer “vou acabar tudo contigo. Volto para a Anastácia. Tchau”. Uma pessoa pode ficar traumatizada – a Vanessa ficou. Provavelmente ficou menos do que Mário Centeno neste processo, porque a Vanessa não tinha tanta fé na capacidade do seu interlocutor fazer alguma coisa de jeito na vida do que o ministro das Finanças tinha no homem que escolheu para a Caixa. E, mesmo assim, a Vanessa não deu o que não podia dar ao seu remetente – do género amor incondicional e até que a morte os separe e cenas assim – enquanto Mário Centeno prometeu tudo o que podia e não podia dar a António Domingues: isenção de declarações de rendimentos no Tribunal Constitucional, etc.

Se já sabemos, pela voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, que a concertação social e a vida são uma espécie de feira de gado, as coisas complicaram-se com as relações digitais. Já nem falo naqueles casos em que o recetor de mensagens amorosas faz forward para todos os amigos verem as capacidades prolíficas ou outras do remetente. Não há segredos classificados nas mensagens digitais. Não há grande gentileza: o meio não é apropriado à transmissão de sentimentos elevados, induz a brusquidão e só muito pouca gente consegue exprimir de forma clara o que quer realmente dizer. Até a forma que Mário Centeno encontrou para tentar pôr para trás das costas o seu dramalhão particular – e público – faz sentido tendo em conta que o meio foram as SMS. É verdade que Centeno não foi convincente e as mensagens já vieram a público, mas existe algo mais humano que existirem “erros de perceção mútuos” quando duas criaturas de deus trocam SMS?

A Vanessa tornou-se uma nostálgica comunicacional já há algum tempo. Um nostálgico do passado comunicacional não é um normal velho do Restelo que tem saudades do tempo em que não havia auto estradas e Portugal era um país do Terceiro Mundo – coisa que aconteceu mais ou menos até ao fim dos anos 80. O nostálgico comunicacional gosta de uma data de coisas que o presente lhe trouxe – até da Lisboa cheia de turistas – mas abomina que as conversas se façam agora por SMS, chats de facebook, whatsapp, e o camandro e que o “olhos nos olhos” esteja reservado a raras exceções e ao Medina Carreira a falar na TVI sobre as coisas do costume. É evidente que os olhos denunciam tudo – como os olhos de Centeno naquela trágica conferência de imprensa sobre “os erros de perceção mútuos” denunciaram aquilo que sabíamos e que o ministro não conseguiu esconder. Há menos erros de perceção mútuos quando se fala frente a frente. E menos ansiedade: aquela coisa de uma não resposta ser equivalente a alguém fechar-nos uma porta na cara é uma coisa um bocado excessiva. Na comunicação à moda antiga isto não acontecia: a carta podia ter-se extraviado. Os programadores atuais fazem-nos suportar a crueldade de saber que alguém leu a nossa mensagem e se borrifou… A tecnologia facilitou-nos a vida? Santa Paciência.