Reclamações eletrónicas. Empresas têm de responder em 15 dias

Chega em julho e numa primeira fase destina-se apenas a empresas que fornecem serviços de telecomunicações, água e luz, mas a ideia é chegar a todos os setores de atividade.

Vem aí um livro de reclamações eletrónico. Chega dia 1 de julho mas, para já, apenas para as empresas que fornecem determinados serviços como luz, água ou telecomunicações. No entanto, para incentivar as queixas por esta via, o governo quer que as reclamações eletrónicas tenham uma resposta em 15 dias úteis – ao contrário do que acontece até aqui, pois a versão em papel não prevê um prazo máximo de resposta.

Mas a ideia não é ficar por aqui. De acordo com o executivo, o objetivo é alargar este livro de reclamações eletrónico a todos os setores de atividade de forma gradual.

A verdade é que este tema não é novo e tem vindo a ser sucessivamente adiado desde 2014. No entanto, ao contrário do que aconteceu anteriormente, a medida vem contemplada no Orçamento do Estado para 2017, pondo fim a uma questão que se tem arrastado sem fim à vista.

Apesar de, numa primeira fase, não abranger todos os setores, a medida acaba por se focar nas atividades que recebem o maior número de queixas por parte dos consumidores portugueses. E isso é visível pelo número de reclamações que foram feitas no ano passado. Das quase meio milhão de queixas que a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) recebeu em 2016, só estes três setores – telecomunicações, água e luz – foram alvo de mais de 73 mil, com as telecomunicações a liderar o pódio.

No caso das telecomunicações, os prazos de fidelização e refidelização continuam a ser as situações mais reclamadas pelos portugueses e só este setor recebeu mais de 45 500 queixas. “A alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas, infelizmente, não se traduziu em melhorias para este setor, uma vez que as operadoras optaram por estratégias de fidelização dos clientes a longo prazo (dois anos), apresentando ofertas sem fidelização que apenas prejudicam o consumidor”, salienta a entidade.

Já no setor da energia e da água – que recebeu mais de 27 700 reclamações – destacam-se as dificuldades sentidas pelos consumidores no âmbito da faturação, seja por falta de envio da mesma, seja na cobrança de consumos prescritos ou dupla faturação. Também a mudança de comercializador de energia justificou abordagens comerciais pouco transparentes por parte dos diferentes comercializadores, tendo a DECO recebido milhares de queixas de consumidores vítimas de práticas comerciais desleais.

Mas nem tudo são más notícias. A associação lembra que, graças à sua atuação, foi possível o alargamento do prazo de reembolso das cauções dos serviços de energia e água até julho de 2016. “Com a ação da DECO, o valor de reembolso total alcançou mais de 58 mil euros”, acrescenta.

Outros alvos

Apesar do elevado número de reclamações feitos a estes setores que prestam serviços públicos essenciais, há outros que também não “escaparam”. A terceira atividade mais reclamada em 2016 foi a compra e venda, ao ser alvo de mais de 27 400 queixas, estando a maioria relacionada com a falta ou atraso na entrega dos produtos, recusa de cancelamento da compra no prazo de reflexão e falta de reembolso quando se desiste da compra.

O mesmo acontece com os serviços financeiros, com a DECO a receber mais de 26 mil reclamações relacionadas com este setor. Em parte, a entidade atribui este aumento ainda a queixas relacionadas com a falência do BES, mas também com o Banif, que no final de 2016 foi incorporado no Santander Totta, mas deixou para trás muitos lesados.

Na área da banca, entre as questões mais suscitadas pelos consumidores estão o crédito ao consumo e pessoal, destacando-se o acompanhamento nas alterações dos valores de prestações e na própria formulação do contrato e incumprimento por parte dos bancos. Mas elas também se prendem com comissões das contas bancárias, que dispararam no último ano.

Já no âmbito dos seguros, as principais razões de queixa referiram-se a seguros de saúde, nomeadamente relativamente a coberturas, não coberturas, franquias e valores a pagar pelo segurado. Os seguros de bens e equipamentos que são fornecidos pelo comércio tradicional – especialmente produtos informáticos e equipamentos eletrónicos – também figuraram no topo das queixas. Trata-se de seguros que acabam por ser um pouco inúteis já que, quando o consumidor quer acioná-los, descobre que não o pode fazer.

Desafios

Mas apesar de o governo prometer agilidade em termos de prazo de resposta se o consumidor optar pela via eletrónica, assim que esta ficar disponível não se pense que os problemas vão acabar. A DECO já veio reconhecer que eles vão continuar durante este ano. E dá como exemplo, mais uma vez, o setor da energia. “Energia mais verde, mas sem informação clara ao consumidor. Os consumidores poderão ser também produtores de energia? É investimento ou uma despesa?”, questiona a entidade.

Outro problema poderá ocorrer no campo dos direitos digitais. “Os dados pessoais são um direito fundamental ou uma moeda de troca? Plataformas digitais com marcas definidas, mas sem responsabilidade perante o consumidor”, lembra a DECO.

E os alertas não ficam por aqui. A associação chama também a atenção para o facto de existir dificuldade em saber quem está do outro lado do negócio. “É seguro comprar através das redes sociais? Mercados mais conectados entre países, mas com maiores entraves. Será possível continuar a comprar lá fora mesmo que não entreguem em casa?”, questiona.

Para viver um ano sem sobressaltos, a DECO identifica os principais problemas que o consumidor deve evitar: burla, discriminação, escândalo, fraude, cortes na proteção do consumidor e diminuição do poder de compra.