Catalunha. As negociações que não o são

Rajoy e Puigdemont tiveram um almoço secreto em janeiro, apesar de terem passado os últimos dias a dizer que não existem negociações sobre o processo de independência. Discutiram superficialmente o referendo, mas continuam a dizer que não há via aberta de diálogo e que o impasse se mantém

O governo espanhol e a autoridade catalã davam ontem cambalhotas em público tentando explicar que o encontro secreto que Mariano Rajoy e Carles Puigdemont tiveram em janeiro não é prova de que os dois lados do processo independentista estão discretamente em diálogo, como indicaram há dias o representante do governo na região autónoma e o líder do Partido Socialista Catalão.

O tema é embaraçoso para os dois lados, que desde o fim de semana vêm desmentindo publicamente a existência de reuniões de bastidores em que se vai tentando desatar o nó secessionista, insistindo, contudo, em dizer que estão abertos ao diálogo desde que este comece num terreno comum. Isso, para já, parece impossível, mas o “La Vanguardia” revelava ontem que Rajoy e Puigdemont almoçaram em janeiro, que o encontro aconteceu a convite do presidente do governo espanhol, durou duas horas e que o tema da independência foi discutido, mesmo que de forma superficial e para insistir no mesmo impasse de sempre: o governo não aceita o referendo que o presidente da Generalitat e a maioria independentista prometeram para este ano e Puigdemont não aceita dialogar sem poder ir às urnas discutir um divórcio vinculativo. 

Rajoy e Puigdemont não reconheceram nem negaram o almoço de janeiro. Desmenti-lo, aliás, seria admitir que não contaram a história completa de todas as vezes que, desde sexta-feira, negaram a existência de contactos secretos – nesse dia, o enviado do governo em Barcelona, Enric Millo, começou a controvérsia ao anunciar que as negociações existem, em todos os níveis, discretas e fora do olhar público. Em vez disso, os dois líderes persistiram e negaram que haja uma via aberta de diálogo, deixando nas entrelinhas a ideia de que o almoço foi um encontro informal que nada teve que ver com o referendo. Segundo o “La Vanguardia”, com efeito, o almoço serviu sobretudo como uma oportunidade para Rajoy convencer Puigdemont a ir a um encontro de líderes regionais. O presidente catalão recusou, mas ofereceu um pequeno diálogo sobre a consulta, dizendo que podia discutir a data da sua realização e a pergunta que entrará no boletim. Rajoy recusou também. 

O encontro polémico, como a negociação, acabou por não o ser. Tanto quanto se sabia até ontem, os dois líderes apenas se tinham encontrado oficialmente em abril e uma segunda reunião estaria para acontecer em breve. Com ela, iniciar-se-ia aquilo que mais próximo parece estar de uma negociação sobre o processo independentista. Mas a oposição catalã e mesmo os independentistas pouparam o presidente da Generalitat no parlamento, deixando-o escapar ao admitir vagamente o almoço – “agora escandalizam-se porque este governo dialoga”, disse – e ao repetir a posição que o governo autonómico anunciou nos últimos dias: negociações “não existem e não se esperam”. Rajoy, por sua vez, disse aos jornalistas que quer discutir os “problemas reais dos catalães” que, na sua opinião, não passam pela independência. Daí que o seu governo admita dialogar com os independentistas catalães sobre quase todos os pontos enviados por Puigdemont na sua lista de 46 reivindicações. Todos, aliás, menos um: um referendo vinculativo sobre a independência. 

Terceira via?

Não parecem existir portas abertas para escapar à quadratura do círculo em que se transformou a consulta independentista catalã. Da maioria secessionista repete-se o argumento de que o referendo deve avançar independentemente da opinião do Tribunal Constitucional que, alegam, está a transformar um debate político numa disputa legal. O governo espanhol, claro, usa os tribunais para esvaziar os argumentos catalães e o impasse parece não ter solução, até porque os independentistas se comprometeram publicamente a realizar um referendo, mesmo com a oposição de Madrid.

Mas há quem na ala secessionista discuta uma “terceira via”, como fez há uma semana o antigo presidente da Generalitat, Artur Mas, em julgamento por ter avançado com o referendo não autorizado de 2014, que em Madrid sugeriu que para cima da mesa pode ainda entrar uma proposta que contemple uma descentralização radical da Catalunha. As sondagens indicam que, a acontecer o referendo nos moldes atuais, o “não” à independência está em crescimento e pode vencer com uma pequena margem – a última análise, de dezembro, revela que 46,8% dos catalães prefere manter-se em Espanha, contra 45,1% que dizem o contrário.