Segurança em Lisboa. Quantas metralhadoras são precisas para proteger a cidade? [Fotogaleria]

O i acompanhou membros do Corpo de Intervenção e e das Equipas de Intervenção Rápida que patrulham a capital portuguesa. Alguns lisboetas dizem que as armas assustam, outros sentem-se mais seguros.

Segurança em Lisboa. Quantas metralhadoras são precisas para proteger a cidade? [Fotogaleria]

Ainda faltam alguns degraus para chegar à saída da estação de metro do Chiado, no coração de Lisboa, e já se ouve uma versão de “Mas Que Nada”, de Sérgio Mendes, nos djambés e guitarras de quem tenta atrair público e ganhar uns trocos à porta da centenária Brasileira. Turistas num sobe-e-desce pela Rua Garrett, elétricos num sobe-e-desce pela Calçada do Combro, comerciantes num sobe-e-desce de tom, a tentar vender jornais, castanhas, raspadinhas, bandeiras portuguesa e galos de Barcelos. No meio de tanta confusão, seria de esperar que Lisboa não fosse menina e moça, mas sim velha e malvada, repleta de ladrões prontos a atacar os mais distraídos e a ameaçar os que lhes fizessem frente. Mas pelo que o i apurou no local, os lisboetas (e os próprios turistas) pensam exatamente o contrário. Principalmente desde que começaram a ver alguns polícias mais encorpados em vários cantos da cidade.

Basta estar no centro da Praça de Camões e olhar à volta. Rapidamente percebemos que andam aos pares, são mais musculados do que os polícias que normalmente patrulham as ruas da capital e usam, para além da pistola, uma metralhadora ao peito. São membros da Unidade Especial de Polícia, pela valência do Corpo de Intervenção, e das Equipas de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública (PSP). A verdade é que estes homens têm a missão de assegurar a paz nas ruas lisboetas há vários meses – desde os atentados em Paris, em novembro de 2015, mais precisamente. Só o colete e a metralhadora pesam cerca de 15 quilos, sendo necessário ainda acrescentar o cinto que transporta a arma, as botas pesadas que usam e a indumentária própria para o serviço.

Façam 2 graus negativos ou 40 à sombra, estão sempre preparados para o pior cenário: a pistola que costumam usar dispara apenas 15 tiros, mas com a metralhadora estão preparados para lançar outros 30. Até hoje, não se viram obrigados a recorrer a estas armas pesadas. Mas apesar do forte armamento, das figuras intimidantes e do facto de estarem espalhados por zonas de grande movimento, alguns transeuntes só repararam na presença destes polícias durante a reportagem do i.

“Confesso que este tipo de policiamento só me chamou agora a atenção. Calculo que não seja algo comum, provavelmente só começou a ser implementado ultimamente”, diz Fernanda Fortunato, gestora lisboeta que nos últimos tempos vive entre Portugal e Angola. Se calhar por isso mesmo, tem cada vez mais noção do quão segura Lisboa é: “Vivo aqui há muitos anos (na Almirante Reis) e circulo muito a pé, saio a qualquer hora e não tenho problemas no que diz respeito à segurança. É provável que esta sensação de segurança venha de estar muito tempo em Angola. Atendendo às diferenças [entre os dois países], acabamos por perceber o quão seguro isto é, só depois de passarmos por certas experiências é que temos noção”, acrescenta a mulher de 61 anos, olhando com alguma curiosidade para os dois elementos da polícia ali perto, fortemente armados, e com o semblante sério que lhes é característico. “Nos tempos que correm, isto não me assusta. Até é provável que traga uma maior sensação de segurança”, conclui.

Adelaide e Adelina são duas amigas reformadas que, tal como Fernanda, decidiram dar um passeio por Lisboa. Foram até ao Castelo, depois apanharam o 28 e quiseram aproveitar um bocadinho da temperatura primaveril que começa a fazer-se sentir durante a tarde.

Sentadas no muro do metro do Chiado, admitem que a noite lisboeta é pouco amiga de quem deambula pelas ruas sozinho: “Onde moro, na Alta de Lisboa, não se vê ninguém na rua. Acho que este policiamento faz com que as pessoas se sintam mais seguras”, diz Adelaide. Questionadas sobre a hipótese de algo mais grave acontecer em Lisboa, têm pontos de vista diferentes. Adelina defende que “os portugueses são boas pessoas e recebem muito bem” e acredita que, por isso, o país não é alvo dos terroristas. “Então e os franceses e os ingleses, não são boas pessoas?”, interrompe Adelaide. “Como nós, não são”, responde a amiga, que assume, ainda assim, estar preocupada com a vinda do Papa Francisco a Portugal. “Aí sim, é um espaço muito grande e é perigoso. Mas devem mandar para lá polícias como estes.”

“As pessoas já estão habituadas”

Quem circula pela Baixa de Lisboa todos os dias percebe melhor como as coisas mudaram. E como funciona o patrulhamento. Vanessa trabalha no Chiado há 20 anos e já está habituada à quantidade de polícia que patrulha aquela zona de há meses para cá. “Quando está a chover, esqueça: eles não aparecem”, diz em tom de brincadeira. “Quando começaram a aparecer, as pessoas ficaram apreensivas, perguntavam se ia acontecer alguma coisa, mas agora já estão habituadas. Começou a notar-se mais a presença depois dos atentados de Paris. Creio que serve para as pessoas se sentirem seguras”, continua a comerciante.

Rui Pinto vende castanhas no Chiado há sete anos e também sente que a mudança é notória. “Vemos mais patrulhamento, há uma maior sensação de segurança. Aterroriza um bocado, as pessoas questionam-se sobre o que se estará a passar. Ficam com algum medo, pensam que para eles estarem aqui é porque qualquer dia acontece alguma coisa na cidade, mas agora começam a sentir-se mais seguras”, assegura o vendedor, enquanto despacha mais um pacote de castanhas quentes.

E se os autóctones dão conta desta evolução da perceção pública sobre o aparato policial, o primeiro impacto causado nos turistas também é importante. Jim e Suzanne chegaram há menos de 24 horas e passeiam pelo Chiado. “Vi alguns nos cantos do aeroporto, mas era a quantidade de polícia que hoje em dia se vê nos aeroportos de grandes cidades. Com base no que vimos até agora no centro de Lisboa, há menos polícia aqui do que na Holanda”, conta Jim.

Leonor e Tiago são portugueses, mas vivem em Inglaterra. E não pensam da mesma forma. Dizem não perceber a necessidade de tanto policiamento nas ruas de Lisboa, assegurando que em Londres o dispositivo é menor. “Antes dos atentados fui à estação de Paddington, que é muito grande, e não se via isto”, relata Leonor, acrescentando que acha que “não vale a pena” a presença de tantos polícias no meio da capital portuguesa. “Se calhar, isto retrai um bocado as pessoas, deixando-as receosas. Pode ter um impacto negativo para os turistas”, alerta Tiago.

Segurança nos transportes

O i esteve com a polícia durante uma hora no Chiado, um local que recebe e entretém muitas pessoas todos os dias.

Às 18h30, o corpo especial desloca-se para Santa Apolónia, a estação ferroviária e metropolitana que recebe milhares de pessoas vindas de várias partes do país. Os membros do Corpo de Intervenção, mais entroncados, ficam à porta da estação, deixando os elementos da Equipa de Intervenção Rápida no interior do espaço. Tudo é meticulosamente pensado de forma a não intimidar os passageiros. “Não queremos ser demasiado ostensivos. Isto é uma ação no domínio da prevenção, não há indício de absolutamente nada. Estamos aqui para mostrar a presença policial de forma mais arrojada e ostensiva, mas com o objetivo de apenas conferir um maior sentido de segurança”, disse fonte da PSP ao i.

Chega um comboio vindo da Covilhã e poucos querem comentar esta “receção”. Dizem que não conhecem bem Lisboa, que não se aperceberam de nada e que não querem comentar o papel da polícia. “Se eles aí estão, por alguma razão é. Esperemos que esteja tudo bem”, atira um homem que segue em passo apressado para o exterior da estação.

Rui Lopes, militar de profissão, também se desloca com alguma rapidez em direção aos comboios, mas para uns minutos. Para ele, não há dúvidas de que é necessário ter este dispositivo policial montado nas principais artérias da cidade, “tendo em conta a conjuntura atual”, justifica. “Já me tinha apercebido da presença destes polícias aqui na estação de comboios, mas também no metro. Dá uma sensação de tranquilidade.”

Por volta das 19h45, quando os polícias se preparavam para retirar, um jovem olhava com interesse para as carrinhas do corpo de intervenção. “Passou-se aqui alguma coisa?”, pergunta Tim. “Não, Lisboa está apenas com um maior policiamento. Nunca tinha reparado?”, inquirimos. “Sou sul-africano e estou aqui há um ano. Lisboa parece-
-me bastante segura… Não sei se há necessidade de ter tantos polícias na rua”, diz. Junta-se à conversa Conrad, um amigo alemão. “Também nunca tinha reparado nesta quantidade de polícias num só local. Isto está a acontecer só em Santa Apolónia?”

Ajudamos de novo nos esclarecimentos: estão em vários sítios da cidade, sempre de um lado para o outro. E nunca estão no mesmo sítio à mesma hora para não criarem uma rotina. Dada a explicação, a capital mais artilhada até faz sentido. “Ok, isso tem toda a lógica. Tendo em conta o que se passa no mundo, nenhuma cidade pode dizer que está 100% segura. Nem mesmo Lisboa”.