Óscares. E quantos tweets de Donald Trump

Fossem estes tempos menos conturbados e pouco haveria a escrever de previsões para a 89.ª cerimónia de entrega dos Óscares, “La La Land” e pouco mais. Mas é Trump agora o homem mais poderoso do mundo e isso ditará parte do que se vai passar na noite de domingo no Dolby Theater, em Los Angeles.…

#OscarsSoBlack, hashtag para guardar e repetir várias vezes nas horas que faltam até à noite de domingo, porque não importa quantos Óscares vença “La La Land” de Damien Chazelle, esta será provavelmente a edição dos Óscares mais política dos últimos tempos. E não só pelo fim do #OscarsSoWhite das edições passadas, que levaram a que se escrevesse que também essas seriam políticas, com as nomeações com que chegam na noite de domingo ao Dolby Theater, em Los Angeles, “Fences”, de Denzel Washington, “Elementos Secretos”, mas sobretudo “Moonlight”, de Barry Jenkins, que é apenas o terceiro realizador negro em toda a história dos prémios da Academia norte-americana nomeado em simultâneo para os Óscares de Melhor Filme e Melhor Realização.

Categorias que serão certamente varridas por “La La Land” com tudo o que se poderá tirar daí neste mundo que ainda não acordou, porque não terá como acordar tão cedo, do pesadelo Donald Trump – como se prevê que seja também Emma Stone a Melhor Atriz pelo seu trabalho no musical de Chazelle, que aliás bateu já recordes na antecâmara para os Óscares que são os Globos de Ouro. Mas não será tão só sobre isso a noite de domingo, cerimónia apresentada (finalmente) por Jimmy Kimmel, que em entrevista ao “New York Times” já falou sobre como procurará equilibrar no que lhe compete uma edição que, sobretudo depois de Meryl Streep nos Globos de Ouro sobre a diversidade de que é feita Hollywood e Mahershala Ali nos SAG Awards, se prevê cheia de discursos políticos – que não estranharíamos se acompanhados por reações de do presidente Donald Trump ao minuto no Twitter. “Há definitivamente um ponto a partir do qual isso se torna demasiado, mas também há um ponto em que se torna muito pouco. Encontrar um equilíbrio nisso é, para mim, a tarefa mais difícil na apresentação desta cerimónia. Não sabemos com que disposição vamos estar neste país quando domingo chegar, mas parecemos estar numa fase muito temperamental, estamos a ter grandes mudanças de humor como nação neste momento.”

Para Mahershala Ali, de resto, é provável que vá o Óscar de Melhor Ator Secundário, por “Moonlight”, o que poderá dar uma repetição do seu discurso nos SAG: “Em ‘Moonlight’ vemos o que acontece quando perseguimos pessoas. Fecham-se em si próprias. E aquilo que me deixa grato por ter tido a oportunidade de fazer o Juan é ter feito o papel de um homem que viu um jovem [Chiron, o protagonista interpretado por Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes em três fases da vida] fechar-se sobre si próprio como resultado da perseguição pela sua comunidade e aproveitar essa oportunidade para o levantar de novo e dizer-lhe que ele importava e que estava OK”, disse Ali para completar que a sua mãe é evangélica e ele é muçulmano e que não viram as costas um ao outro por isso. “Consigo vê-la e ela consegue ver-me. Amamo-nos, o amor só cresceu. E isso são pormenores, não é assim tão importante.”

Um ÓScar político? Mas mesmo com tudo o que se prevê que possa vir dos discursos é provável que o momento mais político da noite venha de um prémio. Quando foram conhecidos os nomeados para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, as fichas foram todas para “Toni Erdmann”, vencedor do prémio da crítica em Cannes, primeiro lugar na conceituada lista dos filmes do ano da revista “Sight & Sound”, em que Maren Ade traça o retrator de um excêntrico pai que inventa um disfarce para poder aproximar-se de uma filha cuja vida começa e acaba no trabalho – filme tão bem recebido em Hollywood que já se fala na possibilidade de um remake em inglês.

“Toni Erdmann” com tudo para dar certo não tivesse vindo entretanto a famigerada ordem executiva de Donald Trump a proibir a entrada nos Estados Unidos de cidadãos do Irão mas também do Iraque, da Síria, da Líbia, do Sudão, da Somália e do Iémen com a pretensa justificação de que poderiam constituir uma ameaça terrorista à segurança nacional, e com isso a possibilidade de um Óscar político para “O Vendedor”, de Asghar Farhadi, que em 2011 se tornou no primeiro iraniano a vencer um Óscar com o aclamadíssimo “Uma Separação” e que regressa agora a Hollywood sem regressar. Porque mesmo que seja aberta uma exceção para que Farhadi possa, com Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti, protagonistas deste filme que depois de “O Passado”, nos subúrbios de Paris, marca o regresso do realizador ao seu Irão, comparecer na cerimónia da entrega dos prémios anuais da Academia, o realizador já veio dizer que não o fará de qualquer forma, em protesto.

“Parece que a possibilidade da minha presença vem acompanhada de uma série de ‘ses’ e ‘mas’ que não são de modo nenhum aceitáveis para mim mesmo que seja aberta uma exceção para a minha viagem”, disse o realizador para comparar esta forma de fundamentalismo que se vê emergir na América àquele que Trump diz estar tão empenhado em combater. Ambos “tentam apresentar às pessoas imagens irreais e assustadoras de várias nações e culturas com o objetivo de fazer das diferenças discórdia e da discórdia inimigos”. A própria Academia emitiu um comunicado a condenar como “extremamente preocupante” a hipótese de Farhadi e a sua equipa ficarem impedidos de comparecer na cerimónia de entrega dos Óscares. Só isso já dará para adivinhar que possa mesmo ser “O Vendedor” o Melhor Filme Estrangeiro. Fingers crossed para um Óscar político (ainda que não só), que neste início de ano bem é preciso.