“Não há separação de águas nas minhas atividades”, revela Proença de Carvalho

O homem forte da Global Media diz que não separa as águas entre os vários mundos que habita. Advocacia, jornais e política são ‘compatíveis’.

“Não há separação de águas nas minhas atividades”, revela Proença de Carvalho

Choviam elogios na sala de ar condicionado quente. O Grémio Literário, o Centro Nacional de Cultura e o Clube da Imprensa eram anfitriões. A sala estava cheia e jantava-se bem. Daniel Proença de Carvalho era o louvado orador. 

Aperitivos, sofás e as notícias do dia dominavam a entrada, antes de se subir à sala de jantar. O SOL bebeu um sumo de tomate. Tal como o bife com molho de cebolada, estava agradável. 

A apresentação biográfica do convidado esteve a cargo de Dinis de Abreu, personalidade do meio cultural e veterano jornalista. 

A polivalência de Proença de Carvalho no que toca a ofícios foi salientada. Seja na política, nos media, no meio social e cultural, no setor público ou privado, Abreu destacou o percurso do amigo de longa data com elevado tom. «Reputado jurista», foi a atividade para fechar a enumeração em chave de ouro, sem esquecer uma menção a processos tão relevantes como os de José Sócrates ou Ricardo Salgado. 

Dinis de Abreu saudou ainda o trabalho realizado por Proença de Carvalho na frente do grupo Global Media – que inclui o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a rádio noticiosa TSF – lamentando, todavia, a venda do histórico edifício do DN na Avenida da Liberdade.

Repasto com o centrão 

Da audiência distinguiam-se ex-ministros como Eduardo Catroga e Correia de Campos e ainda o presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa. 

Quando o debate abriu às mesas, sob temas reservados ao lugar de Portugal na União Europeia, o SOL regressou à biografia profissional de Daniel Proença de Carvalho. 

Sobre a dificuldade (ou facilidade) de «separar águas», tendo em conta a diversidade de atividades que exerceu ao longo do seu percurso profissional, Proença de Carvalho admitiu que «não há separação de águas», sendo «fundamentalmente advogado» e tendo as «outras atividades» como «compatíveis e sem qualquer conflito». 

O orador, que já dirigiu a RTP e foi ministro da Comunicação Social, revelou que é a advocacia que protagoniza a sua identidade profissional e deu até exemplo do que diz aos estagiários que acolhe. «Para se ser um bom advogado convém saber alguma coisa de Direito, mas o mais importante é o caráter e a cultura». 

Virando a bússola para o mundo jornalístico, Proença defendeu que «o papel vai desaparecer», tratando-se de algo inevitável como «os discos de 78 rotações estarem hoje completamente obsoletos» ou «tentar lutar-se contra plataformas como a Uber». 

Apesar da tomada de posição, o presidente do conselho de administração da Global Media afirmou que não estava nos planos deixar de imprimir a edição em papel de publicações como o Diário de Notícias, na medida em que ainda existe «uma credibilização pela materialização» e os perigos de tomar decisões estratégicas «precipitadas».  «As marcas de referência acabarão por vencer», acredita ainda. A correção e o pluralismo foram os princípios dados como essenciais. 

Na intervenção principal, sobre o projeto europeu, Proença começou por dizer que «durante alguns anos pareceu que as coisas estavam a funcionar», mas que o desenvolvimento económico muito diferente entre Estados-membros dificultou uma «maior integração», por exemplo, para um orçamento comum. 

Houve, de acordo com o homem da comunicação social, um «excesso de ambição», visto que, na sua opinião, «os países não estavam preparados para o euro», a moeda única. 

A culpa, contudo, não terá destinatário único. Proença não nega o endividamento, até do caso nacional, mas recorda que esse endividamento foi muitas vezes «promovido» por países como a Alemanha. 

Passando para os problemas da política – ou da ausência de política – externa europeia, Daniel Proença de Carvalho referiu a crise de refugiados, a temática do terrorismo e a tentativa falhada de «exportação do modelo democrático» nas denominadas primaveras árabes. 

Para si, a União Europeia está não apenas «em regressão», como também «em risco de destruição». 

«A construção europeia foi feita com grandes líderes. Onde estão? É tempo de uma reflexão, que também não vemos», adiantou. «Há hoje líderes que colocam em causa a separação de poderes e os direitos fundamentais». 

Quando uma convidada referiu Donald Trump em concreto, Proença de Carvalho ironizou sobre o presidente norte-americano. «A questão sobre Trump não é política. Há aqui psicanalistas e psiquiatras para esclarecer isso apropriadamente».

Je suis voyeur

E sobre esse desaparecimento de lideranças, Proença tem uma justificação. «Queremos que os políticos sejam santos, mas os que quiseram ser santos acabaram como ditadores», disse, depois lembrando Hitler. «Uma sociedade ‘voyeurista’ afasta os melhores da política». E voltando momentaneamente ao plano doméstico, insistiu que uma «reforma da justiça» seria determinante para isso combater.

O discurso foi feito sem papel e largamente aplaudido pela sala cheia. 

Proença de Carvalho não deixou o microfone sem cumprimentar Correia de Campos, antigo ministro da Saúde, que foi seu colega em Coimbra. «Honrou a vida política», sustentou Proença.

Isto ninguém aplaudiu.