Uma amizade de 40 anos contada em 40 imagens

Claudia Andujar, uma fotógrafa que nasceu na Suíça, cresceu na Transilvânia e fugiu da Europa durante a II Guerra, fotografou uma tribo brasileira ao longo de 40 anos. Uma seleção dessas imagens viajou para Lisboa, onde pode ser vista no Arquivo Fotográfico.

Uma amizade de 40 anos contada em 40 imagens

Para se atingir a reserva da tribo Yanomami, nos confins da Amazónia, é preciso, primeiro, chegar a Manaus, a capital do Estado do Amazonas. Daí, apanha-se um voo para Boa Vista, Roraima, no extremo Norte do Brasil. E em Boa Vista há uma avioneta para Toototobi, um posto indígena a 1h40. Segue-se uma longa caminhada pelo mato até encontrar as casas da tribo.

Claudia Andujar descobriu aquele povo na companhia do seu marido, o fotojornalista George Love, na década de 70 do século XX. Desde então, Andujar fez esse longo e demorado trajeto por inúmeras vezes, a última das quais em novembro de 2016, já numa cadeira de rodas. Das suas visitas aos Yanomami resultou um acervo de 10 mil imagens das quais foram selecionadas 40 para a exposição Visão Yanomami, que desde dia 11 pode ser visitada gratuitamente no Arquivo Fotográfico da Rua da Palma, em Lisboa, numa iniciativa que integra a Capital Ibero-Americana de Cultura.

«Quem incentiva a Claudia Andujar no contacto com os índios é uma figura muito interessante para a cultura brasileira, Pietro Maria Bardi, o marido de Lina Bo Bardi, a arquiteta que desenhou o Museu Assis Chateaubriand, em São Paulo», refere Marta Mestre, curadora do Inhotim, o instituto a que pertencem estas imagens. «Juntos vão publicar um livro com os desenhos dos Yanomami. Ela vai para lá, dá-lhes papel e lápis de cor e eles desenham. A Claudia explicou-me que eles não desenham como nós. Nós desenhamos com o papel na frente, eles andam à volta do papel».

Visão Yanomami mostra a relação de confiança que Andujar conseguiu construir com os indígenas, que ao fim de todos estes anos já lhe chamam ‘mãe’. «Eles adoram-na, e cada foto que ela vende, parte reverte a favor dos índios», continua a comissária. O grau de confiança mútuo está bem expresso numa série de imagens sobre «a figura mais importante da aldeia, um pajé, ou xamã. Ele está em transe, sob o efeito de alucinogénios, e a Cláudia está mesmo em cima tirando as fotos, há uma proximidade muito grande. A câmara fotográfica não está intimidando, está absolutamente contextualizada».

Transilvânia, Nova Iorque, Amazónia

Claudine Haas nasceu na Suíça em 1931, e viveu até aos 13 anos na Transilvânia (atual Roménia), de onde era a sua família. Quando o pai foi enviado para os campos de concentração nazis, a mãe conseguiu fugir e levá-la para Nova Iorque, onde Claudine acabaria por casar com um espanhol de apelido Andujar.

Seria no entanto na companhia do segundo marido, George Love, que trabalhava para a Life e outras revistas de grande circulação, que visitaria o Brasil pela primeira vez. «Quando chega ao Brasil ela começa a fotografar para essas revistas. Há uma série sobre São Paulo, salões de cabeleireiros e a condição da mulher».

Uma reportagem de Love sobre os Yanomami seria o ponto de partida para uma longa amizade entre Claudia e aquele povo, que duraria muito para lá da separação do casal. «As primeiras fotos que ela faz são da fauna e da flora, do território, das casas. Depois disso começa a documentar as pessoas e a transformação do seu modo de vida, as roupas que começam a usar, os andrajos. Ela acompanha a perda desta beleza e no final fotografa as grandes cerimónias».

Em 2015, o Instituto Inhotim – um enorme parque com um total de milhão e 400 mil metros quadrados dedicados à arte contemporânea (o Museu Reina Sofia tem 100 mil e o centro de exposições do CCB 20 mil) construiu uma grande galeria para a obra de Andujar. «Tem todas as séries dela. Os índios foram convidados para a inauguração, vieram e fizeram uma pajelança». Que é como quem diz, um grande ritual realizado pelo pajé.