Offshores. Faltam dados nos relatórios de combate à fraude ao fisco entre 2011 e 2014

Paulo Ralha, do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, fala num “apagão” que omitiu números sobre operações de fiscalização e valores de impostos por cobrar

“Há um apagão nos relatórios de combate à fraude e evasão fiscal entre 2011 e 2014.” A acusação é feita por Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), que aponta o dedo à falta de dados nos relatórios produzidos pela Autoridade Tributária durante o anterior governo.

Olhando para estes relatórios, é possível ver o diagnóstico feito pelo governo de Passos Coelho para os problemas levantados pelas transferências para offshores e as soluções encontradas para conseguir tornar mais eficaz a cobrança de dinheiros que saem para paraísos fiscais, mas faltam dados que permitam perceber a dimensão dos fluxos de transferência e a forma como estas saídas estavam a ser fiscalizadas.

Paulo Ralha explica que estes documentos deveriam indicar “o artigo do Regime de Inspeções Tributárias violado, o valor apurado de imposto em falta pela sua violação, o número de operações de fiscalização feitas e de correções a que se procedeu”.

Em vez disso, os relatórios consultados pelo i apresentam as medidas que o governo estava a preparar ou já tinha aplicado para combater a fraude e a evasão fiscal. “Há considerações vagas, mas faltam números e dados. São relatórios omissos em termos objetivos”, aponta Paulo Ralha, que nota uma diferença entre os relatórios de combate à fraude e evasão fiscal publicados pela Autoridade Tributária entre 2011 e 2014 e os documentos que foram disponibilizados em 2009 e 2010.

“Nos relatórios de 2009 e 2010 há dados concretos”, afirma o sindicalista. Um exemplo disso está na referência feita no relatório de combate à fraude e evasão fiscal de 2010 a “quatro ações relacionadas com pagamentos a não residentes relativamente às quais havia suspeitas de poderem configurar a tentativa de desvio de fundos de sujeitos passivos nacionais com destino a offshores de que não foi possível confirmar as suspeitas inicialmente existentes”.

Mas há também um ponto no relatório de 2010 que dá conta de seis inquéritos levados a cabo em conjunto com a Polícia Judiciária nos quais foi possível apurar “o montante de 44,6 mil milhões de euros de matéria coletável (IRS e IRC) e 10,5 mil milhões de imposto (IVA) como prejuízo do Estado”.

Nos anos seguintes, os relatórios concentram-se nas medidas a tomar ou tomadas. “E a certa altura já são só um mero copy/paste das intenções”, comenta Paulo Ralha.

Os avisos do TC O caráter vago dos dados disponibilizados nestes relatórios sobre o combate à fuga aos impostos mereceu reparos do Tribunal de Contas.

“Reitera-se a premência na implementação do sistema de informação sobre a atividade de inspeção tributária e aduaneira que tem vindo a ser recomendado pelo Tribunal, visto que representaria um ganho de fiabilidade e rigor na relevação da receita fiscal proveniente do combate à fraude e à evasão, e um ganho de eficácia no controlo da informação prestada sobre a evolução desse combate”, lê-se no parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2014 emitido pelo Tribunal de Contas.

No parecer, o Tribunal de Contas queixa-se de que o governo apresentou uma estimativa da receita fiscal resultante do combate à fraude e à evasão, mas “não indicou as fontes de informação e os cálculos efetuados nem disponibilizou os dados necessários para a verificação dessa estimativa, cujas principais parcelas são, aliás, inconsistentes com os valores reportados pela Autoridade Tributária”.

“Há vários avisos do Tribunal de Contas e do Banco de Portugal sobre as lacunas dos relatórios publicados pela Autoridade Tributária entre 2011 e 2014”, frisa Paulo Ralha, que não encontra explicações para esta omissão e defende que as respostas deveriam ser dadas pelo então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Núncio explica-se hoje Paulo Núncio e Fernando Rocha Andrade, atual responsável pelos Assuntos Fiscais, vão hoje à Comissão de Orçamento e Finanças no parlamento explicar por que motivo não foram publicadas estatísticas sobre as transferências de fundos para paraísos fiscais entre 2011 e 2014, como a lei previa, e porque é que faltam dados relativos a 20 operações reportadas pelos bancos à Autoridade Tributária que correspondem à saída do país de 10 mil milhões de euros para offshores durante este período.

Será a primeira de um conjunto de audições que incluirá também – a pedido do PSD – os diretores-gerais da Autoridade Tributária e Aduaneira que exerceram funções desde 2011, bem como o inspetor-geral de Finanças. Entretanto, é provável que o BE faça um requerimento para ouvir os ex-ministros das Finanças Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque sobre este caso das offshores.