Offshores. Deputados querem investigar se o dinheiro veio do BES

Há indícios que sustentam a suspeita de que a maior parte dos 10 mil milhões que ficaram fora do radar do fisco tinha origem no universo do BES. PS e PCP querem investigar

O próximo passo no caso das offshores é perceber de onde vieram os 10 mil milhões de euros que saíram do país entre 2011 e 2014. Há indícios já conhecidos que permitem a suspeita de que parte desse dinheiro veio do universo BES e foi transferido para paraísos fiscais para escapar aos credores.

Há dois dados que alimentam esta tese: 97% das transferências que ficaram fora do radar do fisco foram para o Panamá – o offshore mais usado pelo GES – e a esmagadora maioria destas transações aconteceram em 2014, o ano do colapso do BES.

Na quarta-feira, Miguel Tiago, do PCP, já tinha perguntado a Paulo Núncio na Comissão de Orçamento e Finanças se o colapso do BES em 2014 não tinha sido suficiente para o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais entender ser importante estar mais atento aos fluxos para offshores, sabendo-se que esse é o método usado para escapar a credores em casos de insolvência de grandes grupos.

A resposta de Núncio ignorou a referência direta ao BES e, no momento dessa audição, os deputados ainda não sabiam de que forma se tinham distribuído as transferências que foram declaradas pelos bancos mas nunca chegaram ao sistema informático da Autoridade Tributária, e não foram, por isso, alvo de qualquer controlo inspetivo para detetar se haveria ou não impostos a pagar ou qual a proveniência do dinheiro.

Horas mais tarde, Miguel Tiago haveria de perguntar ao atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade: “No caso BES e no caso Banif, vimos operações comerciais forjadas para ocultar transferências para offshores. Há alguma homogeneidade nesta amostra?” Na resposta, Rocha Andrade começou por dizer não ter “nem dados de caracterização nem resultados da ação inspetiva para reportar”. Mas revelou que a maior parte destas 14 484 transferências foi para o Panamá e foi feita no ano em que caiu o BES.

Rocha Andrade revelou outro dado importante: das 20 declarações ocultas, uma diz respeito a transferências em 2011, duas em 2012, três em 2013 e 14 em 2014.

“É muito estranho que um bug informático seja tão seletivo nos dados que não transfere do Portal das Finanças para o sistema da Autoridade Tributária”, nota ao i Miguel Tiago, que diz que o PCP vai fazer tudo para tentar perceber a origem deste dinheiro e o motivo que fez escapar 10 mil milhões de euros ao controlo das Finanças.

O problema do sigilo

O i sabe que o PS pondera pedir ao Banco de Portugal acesso a dados que permitam perceber a origem destas transferências precisamente para perceber “se há um padrão” e se ele está relacionado com a fuga de património do BES.

Há, contudo, um problema. O Banco de Portugal deve invocar o sigilo bancário como, aliás, já fez quando o PCP, há alguns meses, pediu acesso a esses mesmos dados sobre transferências para offshores.

Na quarta-feira, Rocha Andrade invocou esse mesmo sigilo para não responder ao deputado socialista Eurico Brilhante Dias, que queria saber se há uma concentração de uma única entidade bancária nessas transferências ocultas. “Na incerteza ainda sobre os limites do sigilo, preferia não responder”, disse o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Comissão de inquérito?

O caso poderá, contudo, mudar de figura caso a esquerda decida avançar para uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), uma vez que os poderes de que goza uma CPI são os mesmos de um tribunal, fazendo com que os deputados possam aceder a outro tipo de documentação. Foi, de resto, isso que aconteceu na comissão do Banif, que teve acesso não à lista completa das transferências para offshores, mas a um relatório que identificava as operações assinaladas como suspeitas.

O i sabe que nem o PS nem o PCP excluem, para já, a hipótese de constituir uma comissão de inquérito. Mas socialistas e comunistas preferem esperar pelo fim das audições já previstas para perceber até que ponto fará sentido dar esse passo.

Hoje são ouvidos Brigas Afonso e Azevedo Pereira, dois antigos diretores da Autoridade Tributária. E ontem deu entrada o requerimento do PS para ouvir os ex-ministros das Finanças Maria Luís Albuquerque e Vítor Gaspar.