Manuel Alegre. “A minha segunda candidatura foi um erro”

Fala da vida que viveu: “Tensa, intensa e densa!” E da dureza da guerra, da prisão e do exílio

O entrevistado tem muito para contar. Mais de 80 anos de uma vida digna de um personagem de Musset. Mistura de revolução e romantismo. Uma ideia de pátria, uma poesia interventiva, um gosto pela seiva. Uma entrevista de afetos. Afinal, entre quem fala e quem escreve, há lugares e pessoas que se repetem. E Águeda como uma mãe debruçada na janela da infância.

Falemos desse tempo, Manuel, que já morreu, em que era o avançado-centro que marcava mais golos no Largo do Botaréu.

Andava na escola primária, em Águeda, na Escola do Adro, com aqueles meus companheiros que vinham descalços ou de chancas, fato de cotim, e traziam um bocado de broa e uma sardinha para todo o dia. Eu era dos poucos que tinha sapatos. Era um dos meninos da terra. Os jogos do Botaréu eram o outro lado da escola: a rua. 

Fale do Botaréu. Nem toda a gente sabe, infelizmente, o que é o Botaréu.

Era um largo de terra batida que ficava no fundo da minha rua, perto de um jardim que já não há, e onde se jogava à bola. Uma praça que dava para o campo. Havia narcejas e sombrias. Uma baliza do lado do rio, outra num portão que ainda lá está. A Rua de Baixo defrontava Assequins, defrontava Paredes. Às vezes acabava tudo à bordoada. E o velho Francisco Balreira ficava a ver-nos.

“O Canto e as Armas” faz 50 anos. Tenho–o, velhinho, numa edição da Centelha, Coimbra.

“Chegam palavras com o Alípio e o Botaréu/ palavras de Águeda com sinos a dobrar”

Foi uma fase fundamental da vida…

Foi. Havia uma grande estratificação de classes. Os filhos dos operários e dos pobres não iam para o liceu. Foi um tempo de fraternidade, de amizade, da outra linguagem. Cada estação do ano tinha os seus jogos, o botão, a bilharda, o pião… E o futebol da bola de trapos do cu de galinha. Foi também o tempo de aprender a defender-me. Uma vez apareci em casa meio a choramingar e o meu pai disse-me: “O cavalheiro, para a próxima, leva e dá!”

Uma aprendizagem também em termos sociais.

Já contei esta história muitas vezes. Perguntava: “Porque é que uns usam sapatos e outros não?” E nunca me deram uma resposta clara. E também foi o tempo da descoberta do campo e do rio.

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