Para inglês ver

Há qualquer coisa de muito errado neste país reconhecido pelos seus brandos costumes.

Há semanas, uma loja de relógios e outras peças de luxo de um centro comercial central de Lisboa foi assaltada à marretada às 10h da manhã e os assaltantes lograram consumar o saque e a fuga (de mota) perante a incredulidade geral. Polícia e segurança privada – num centro comercial que tem vigilância reforçada e especialmente à volta deste tipo de lojas e daquela em particular – foram totalmente incapazes de contrariar os intentos dos larápios (ou criminosos profissionais, que é o mais provável).

Por esses dias, ficou também a saber-se que desapareceram 50 armas de fogo – pistolas Glock de 9 mm – do armeiro da direção nacional da Polícia de Segurança Pública e que só semanas volvidas foi dado o alarme (algumas vieram a ser recuperadas em Espanha).

Há semanas também, dois argelinos (de um grupo de cinco) detidos no aeroporto de Lisboa pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras quando tentavam entrar ilegalmente em Portugal conseguiram escapar com êxito saltando a vedação junto ao Terminal 2. E não foi caso único nos últimos meses, já que o mesmo tinham logrado outros dois cidadãos argelinos e outros tantos marroquinos.

No entretanto, três presos preventivos no Estabelecimento Prisional de Caxias, dois dos quais de nacionalidade chilena (o terceiro é português) serraram as barras de ferro da janela da cela onde se encontravam encarcerados e abalaram num carro que os aguardava no exterior. Os dois chilenos foram apanhados em Madrid nos dias seguintes mas, como as autoridades espanholas não tinham ainda na sua posse os mandados de captura internacional emitidos pelas autoridades portuguesas, um deles foi imediatamente libertado e o outro só não teve a mesma sorte porque era já procurado no país vizinho.

Pormenor absolutamente espantoso, o alerta da prisão-hospital de Caxias só foi dado várias horas depois de concretizada a fuga e por via de uma chamada dos serviços daquele estabelecimento prisional para o… 112.

É certo que o 112 é uma linha de emergência. E que a fuga de presos é naturalmente uma emergência. Daí aos serviços prisionais recorrerem à linha disponibilizada para o comum dos cidadãos participar uma ocorrência…

Passaram-se, entretanto, mais uns quantos dias, semanas sobre todos estes casos. E não se falou mais sobre qualquer um deles.

Ao bruá mediático normal do dia seguinte seguiu-se pouco mais do que o silêncio, intervenções ocasionais sobre esta ou aquela medida avulsa para fazer crer que está tudo controlado ou sob controlo, e há de cair tudo no esquecimento sem que haja consequências de maior ou as que eventualmente possam haver produzam o efeito social e público que é crucial para a segurança nacional e desejável para o sentimento de segurança de cidadãos nacionais e… estrangeiros.

Porque numa altura em que Portugal surge nos roteiros internacionais  como destino turístico de eleição na Europa e em que o turismo ganha peso vital para a revitalização da economia nacional (e das contas públicas), expandindo-se a todos os níveis e com critérios de qualidade tantas vezes desprezados no passado, ninguém tem dúvidas de que – independentemente das invulgares condições climatéricas, da riqueza paisagística do país, nas suas mais díspares regiões, cidades, vilas e aldeias, encostas vinhateiras ou praias de areia branca, da sua rica e variada gastronomia, da qualidade dos seus vinhos, da hospitalidade das suas gentes – um fator decisivo para tanta e cada vez maior procura é precisamente a tradição e imagem de brandos costumes. E o sentimento generalizado de segurança que os países do norte de África deixaram de oferecer e bem assim a Europa mais desenvolvida, alvo de ataques terroristas no passado recente.

Todos sabemos disso. Como sabemos que o turismo é um setor cada vez mais vital para o futuro do país e que todo o investimento e retorno que dele advém se pode esvair num ápice, por um infeliz acontecimento.

Que pode e deve ser prevenido.

Esse é o problema dos acontecimentos acima relatados e da sua desvalorização, nomeadamente pelos responsáveis políticos da Nação.

Uma coisa são os pequenos furtos dos carteiristas da célebre carreira de elétrico entre os Prazeres e a Graça. Ou até mesmo os crimes de sangue que enchem páginas de jornais e inundam cada vez mais os canais de televisão de informação ou os espaços informativos dos generalistas, outra são as falhas que relevam para a segurança nacional e põem a nu a vulnerabilidade do país a ataques de redes mais ou menos organizadas.

É certo que não convém falar muito nisso, para não aumentar a exposição. 

Mas convém não menosprezar. E agir.

Mandar para os locais mais turísticos e concorridos carrinhas com agentes das forças especiais para passearem as suas fardas e armas, como ordenar aparatosas megaoperações stop que resultam em milhares de multas por excesso de velocidade e de alcoolemia, pode aumentar o sentimento de segurança dos cidadãos e produzir a ideia de dissuasão, mas não resolve os reais problemas de segurança, cada vez mais evidentes.

Sem retirar o mérito que possam ter, como diz o povo, são para inglês ver. 

E, digo eu, para atirar areia para os olhos do português.