As eleições da surpresa e reviravolta

O tabuleiro francês altera-se da noite para o dia. Se Juppé entrar, Le Pen pode perder à primeira

Há que esperar o inesperado das eleições francesas. Os cálculos erram desde o início e parecem sempre em mutação: não era suposto ser François Fillon o vencedor das primárias do centro-direita, por exemplo, mas Alain Juppé, ou, quanto mais, Nicolas Sarkozy; não devia ter sido também o socialista defensor de um rendimento universal e um imposto anti-robôs, Benoît Hamon, a representar o centro-esquerda, mas sim o antigo primeiro-ministro Manuel Valls; Emmanuel Macron, ex-ministro da Economia e candidato independente, não devia ser hoje o favorito ao Eliseu, até porque a regra na V República é a de que os não-alinhados acabam espremidos pelos blocos centrais na reta final da campanha. A única constante, aliás, é mesmo Marine Le Pen, de quem há muito se espera uma prestação triunfante para a sua versão suave da extrema-direita francesa.

A entrada de Alain Juppé pelo centro-direita, a apenas sete semanas da primeira volta, seria, no entanto, a reviravolta mais transformadora das eleições deste ano. De acordo com uma sondagem publicada ontem pelo instituto Odoxa – a primeira, aliás, em que Macron surge na frente de Marine Le Pen – Juppé pode saltar imediatamente para a frente da corrida caso substitua Fillon. Se o atual candidato do centro-direita está estanque nos 19%, o antigo primeiro-ministro Juppé conseguiria, de acordo com o instituto, 26,5% das intenções de voto, à frente de Emmanuel Macron e Le Pen. A entrada em cena de Juppé, aliás, deve roubar tantos votos à líder da Frente Nacional que, pela primeira vez, Marine Le Pen se teria de preocupar com passar à segunda volta. O Odoxa afirma que, numa corrida travada entre Juppé, Macron e Le Pen, o segundo lugar iria para o independente, 25% contra 24% da candidata nacionalista. Mantendo-se este cenário, Macron pode na mesma bater Le Pen, mas no primeiro lugar, com 27% contra 25,5% da líder da Frente Nacional – Fillon fica abaixo dos 20%.

De qualquer forma, o axioma francês dos últimos meses mantém-se inalterado: quem quer que passe à segunda volta contra Le Pen – chame-se ele Fillon, Macron, ou Juppé – tem as portas abertas para o Eliseu. O voto moderado e europeísta assim o assegura. As sondagens e os analistas também. A dúvida está agora em saber se Alain Jupé vai baralhar as contas.

O prazo-limite para a entrega de apoios ao Conselho Constitucional está marcado para 17 de março, dois dias depois da audiência em tribunal de Fillon. Juppé precisa de 500 apoios – ontem chegou o primeiro, pela mão de apoiantes que tentam pressionar o antigo primeiro-ministro a concorrer – e, além disso, de declarar-se oficialmente candidato. Juppé diz que só o fará se Fillon se retirar pelo próprio pé e o partido o apoiar unanimemente, o que dificilmente acontecerá se não houver um diálogo entre as bases ultra-conservadoras do atual candidato e a equipa do seu possível substituto.

Aqui podem complicar-se as coisas. Ontem, o Le Figaro noticiava que Nicolas Sarkozy estava em contactos com Fillon – a quem apoiou para a segunda volta das primárias do centro-direita –, o presidente do Senado, Gérard Larcher, e o secretário-geral do partido, Bernard Accoyer. Juppé continua a ser o nome mais consensual, mas Sarkozy pode tentar a sorte.