BdP. Lesados do BES apertam ainda mais o cerco a Carlos Costa

Associações de lesados consideram que o Banco de Portugal tinha informação suficiente para agir de outra forma e preparam-se para avançar para tribunal

As águas agitadas no Banco de Portugal (BdP) têm estado na ordem do dia, com Carlos Costa cada vez mais isolado no meio das alterações que estão a ser feitas na própria estrutura. Mas quem esperava que o regulador deixasse de estar debaixo dos holofotes viu o cenário piorar, com os lesados do BES a acusarem o Banco de Portugal de não ter atuado como e quando devia. A consequência? A associação de defesa dos clientes bancários garante que vai mesmo avançar para tribunal.

“O Banco de Portugal estava consciente da situação real do BES e da forma como estava a ser feito o financiamento do grupo financeiro, e não atuou em devido tempo, permitindo que os clientes assumissem um risco que desconheciam”, explica, em comunicado, a Associação de Defesa dos Clientes Bancários (ABESD), acrescentando que vai intentar ações judiciais contra todas as entidades que tiveram um papel relevante no processo que conduziu ao colapso do universo do Grupo Espírito Santo (GES). Entre estas entidades está o Banco de Portugal.

Entretanto, também a Associação de Lesados do Papel Comercial (ALPC) se juntou ao leque de pessoas que consideram que o governador Carlos Costa tinha condições para atuar mais cedo. “O Banco de Portugal tinha conhecimento para atuar mais cedo e ao longo de todo o processo foi criando uma segurança para estes clientes através da indicação de que o dinheiro estava seguro”, garantiu ainda a ALPC.

Como reforço dos argumentos usados, a associação sublinha os dados trazidos a lume por uma reportagem – que foi transmitida pela SIC e mostrava que técnicos do BdP defenderam a saída de Ricardo Salgado meses antes do colapso –, que servem ainda para destacar que os lesados foram também muito “prejudicados com a atuação do supervisor”.

A terminar o comunicado, a associação destaca ainda que, acima de tudo, “falamos de cidadãos que são inocentes em todo este processo: apenas confiaram no regulador e, por isso, perderam as poupanças”.

Costa no olho do furacão

A verdade é que, ao que tudo indica, Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, pode ter omitido informação no que respeita ao caso BES.

De acordo com uma investigação levada a cabo pela SIC, há documentos que provam que o BdP conhecia pormenores do que se passava na esfera Espírito Santo. Entre os documentos divulgados, há um que mostra que, nove meses antes da derrocada, os técnicos do BdP defenderam a saída de Ricardo Salgado.

Mais: um dos documentos mostra ainda que chegou a ser posta em causa a continuidade dos administradores do Banco Espírito Santo. De acordo com a SIC, é assumida, de forma clara, a possibilidade de Ricardo Salgado ser afastado de forma imediata. Ainda assim, na mesma nota informativa, assinada por técnicos do BdP, é reconhecido que o regulador estava a deixar passar o tempo sem que as devidas medidas fossem tomadas.

Continuidade posta em causa

Catarina Martins já disse várias vezes que Carlos Costa não tem condições para continuar a ocupar o cargo e, em entrevista à TSF e “Diário de Notícias”, explica que deve ser iniciado “o processo de substituição”: “O governo deve iniciar um processo com base em falha grave.”

“A lei explica que é complicado, mas não é impossível, que a fundamentação para substituir um governador do Banco de Portugal tem de ser falha grave. E eu pergunto de quantas falhas graves é que precisamos mais para iniciar um processo que nos parece essencial para proteger o país?”, atirou Catarina Martins, que entende que podem ser apontadas pelo menos três falhas graves a Carlos Costa no caso BES: “Falhas que permitiram a pessoas serem enganadas aos balcões do BES; falhas que permitiram um banco continuar a ser gerido por quem não tinha condições para o gerir; e falhas na prestação de informação perante uma comissão parlamentar de inquérito.”

A dirigente do BE aproveitou ainda para rejeitar o argumento de António Costa baseado na “inamovibilidade” do governador do Banco de Portugal. “Já houve várias falhas graves. Já era conhecido de várias comissões de inquérito e até as revelações recentes de investigação jornalística mostram que tínhamos razão quando o dissemos. E já temos essa posição há bastante tempo.”

Também Francisco Louçã aponta várias críticas a Carlos Costa, considerando-o “um perigo para Portugal”. “Creio que este governador demonstrou uma impreparação técnica, uma vulnerabilidade a pressões externas e uma incapacidade de consolidar o sistema bancário com o sistema de confiança para os depositantes que o torna um perigo para Portugal”, sublinhou o economista, que recorda ainda as decisões tomadas também em relação ao caso do Banif: “Atuou pessimamente. Ou por decisão própria ou por impulso de Frankfurt, o facto é que o governador contribuiu para uma iniciativa que foi desastrosa para a economia portuguesa.”

Questionado sobre o assunto, António Costa escolheu ser parco em palavras, sublinhando que o governador do BdP tem “um estatuto próprio de inamovibilidade e sujeito à fiscalização própria do sistema de supervisão europeu”.

Passos Coelho, por seu lado, já fez saber que acredita que o atual governador tem condições para continuar o mandato. Já Assunção Cristas preferiu não comentar, referindo apenas que considera a gestão do atual governador “muito antiquada”.