Praxes. Faculdades devem assumir acolhimento de caloiros

Fraco envolvimento das universidades e condescendência da sociedade e autoridades contribuem para situações de excessos e abusos, conclui estudo pedido pela Direção Geral do Ensino Superior

Os peritos que estudaram o fenómeno social da praxe académica a pedido da Direção Geral do Ensino Superior (DGES) recomendam ao governo que as universidades passem a ter como obrigação oferecer uma semana de integração e receção dos novos alunos à margem das praxes, para que todos os caloiros se possam sentir informados e integrados mesmo que não queiram passar pelos rituais instituídos nas diferentes escolas.

Elísio Estanque, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e um dos autores do relatório que será apresentado publicamente esta segunda-feira, em Braga, revelou ao i que, mais do que proibir as praxes, o combate a excessos e abusos passa pela criação de alternativas, que valorizem os aspetos informativos, culturais mas também lúdicos da vida académica, com a participação dos professores.

O pedido de análise por parte do governo surgiu depois do debate público gerado pelo incidente na praia do Meco, onde em 2013 morreram seis jovens que participavam numa praxe.

Elísio Estanque, que no ano passado publicou o livro “Praxe e Tradições Académicas”, sublinha que o trabalho desenvolvido ao longo do último ano para a DGES não é “um juízo em busca de culpados”, mas uma análise sociológica que procurou perceber que variáveis contribuem para o fenómeno das praxes. E, aqui, a falta de envolvimento formal das escolas no acolhimento dos jovens foi uma das constatações. “A universidade massificou-se e as ações pedagógicas e de integração não acompanharam esse crescimento rápido e por vezes desregulado. Os jovens chegam a uma cidade e estão muitas vezes sozinhos, dependendo destes movimentos informais”, sublinha o sociólogo.

“Depender apenas das atividades praxistas acaba por contribuir para cultura de segmentação. Acreditamos que uma receção mais amigável pode trazer resultados positivos para a dinâmica da escola e até para o aproveitamento académico”, continua Elísio Estanque, que refere por exemplo, o facto de, na hierarquia das estruturas que organizam as praxes, estarem por vezes estudantes com fraco percurso académico. E são esses que comandam a integração dos alunos. “Há como que um apelo à desresponsabilização”.

A par de semanas obrigatórias de acolhimento, o afastamento das estruturas responsáveis pelas praxes de iniciativas oficiais das escolas como a inscrição em aulas é outra recomendação da equipa, coordenada pelos investigadores João Teixeira Lopes e João Sebastião.

O simbolismo da submissão

O trabalho assenta em entrevistas, inquéritos e observações em vários pontos do país, tendo os investigadores passado pelas universidades do Porto, Coimbra, Braga, Bragança, Lisboa ou Leiria.

Elísio Estanque sublinha que uma grande maioria dos jovens tem uma visão positiva das praxes como sendo importantes na integração, mas existe consenso de que por vezes ocorrem excessos. Além disso, constataram que a praxe, como fenómeno de integração, vive de simbolismos de “exaltação da hierarquia e de submissão” e por vezes “humilhação” dos caloiros, com metodologias militarizadas que o peritos consideram ser anacrónicas.

Combater a cultura de “condescendência” perante situações de violência, aumentando a presença das autoridades no momento das praxes, dentro e fora das escolas, é outra recomendação dos peritos. “Vemos constantemente os grupos a fazer rituais e brincadeiras mas sabemos que se protegem: ou fazem os atos mais críticos longe do olhar público ou fazem cercos com as capas e dentro do círculo estão meia dúzia de caloiros e não se sabe o que se passa lá. Uma presença discreta e informada das autoridades poderia ter um caracter dissuasor”, diz Estanque, referindo que esta proposta passaria por articulação entre os ministérios do Ensino Superior e da Administração Interna.

Outra proposta é preparar a integração na faculade logo no ensino secundário, com novos conteúdos de formação cívica que ajudem os estudantes a perceber ao que vão e que podem sempre dizer que não, se essa for a sua vontade.

Embora os peritos não se tenham centrado no impacto dos casos de praxe mais violeno na saúde, recomendam também ao Governo um levantamento dos serviços de apoio aos estudantes na área da saúde mental. Outro apelo é que os provedores dos estudantes nas universidades passem a fazer relatórios regulares sobre as praxes nas instituições.