Hugh Jackman. “Não te tornes naquilo em que te transformam. Adoro essa frase”

Jackman lembra o que lhe disse Seinfeld: “Temos de deixar alguma energia criativa de lado”

Preparados para viverem com intensidade o final de Hugh Jackman, enquanto Wolverine? O quê? Ai, não era para dizer? Talvez seja spoiler, mas também não é por aí que perdemos o interesse por este sensacional Logan, provavelmente um dos mais intensos e inesperados filmes de super-heróis de que há memória. Até porque, como refere Hugh na nossa entrevista “ninguém acredita que quando um super-herói morre isso seja mesmo definitivo”. Sobretudo por se tratar de um herói humanizado. E é isso que é brilhante neste Logan. 

Sabia que este iria ser mesmo o seu final como Wolverine?

Quisemos fazer algo que fosse emotivo, que tocasse verdadeiramente as pessoas. Já tínhamos tantos filmes em que ele era invencível. É claro que era possível dar-lhe uma vida infinita, mas não era por aí que queríamos ir. Sabíamos que o Wolverine haveria de morrer um dia. Por acaso, um filme que nos inspirou muito foi o Imperdoável (do Clint Eastwood). E se pensarmos no final desse filme, com o Bill Munny (a personagem interpretada por Clint) a afastar-se percebemos que ele preferia ter morrido em vez de ser forçado a viver num purgatório. Talvez devido à capacidade de regeneração do seu corpo, o Wolverine tem também aquela frase final “então é isto que sentimos quando morremos”. Mas que grande frase final. É esse lado de paz que ele recebe.

Como foi a sua preparação física?

Tenho dois papéis, como sabe. Foi extenuante. Mas foi algo que aceitei com gosto. Dormi menos neste filme, pois foi muito mais complicado por ser um road movie. Talvez o road movie mais caro de sempre, risos. Foi bastante cansativo, mas num bom sentido. Até porque queria ir mesmo ao limite desta vez. Estávamos seguros do filme que queríamos fazer, foram quatro meses da minha vida. Mas para mim tinha uma importância superior porque eu sabia que seria o último. Sentia que não tinha alcançado esse limite. Tinha uma última chance. 

Acha que neste caso podemos estar num ponto de viragem do cinema de super-heróis? Um pouco à semelhança de Deadpool?

Tenho de ser honesto, porque o filme estava aprovado e orçamentado antes de sair o Deadpool. Não fomos influenciados por aí. Até porque a proposta que apresentámos à Fox era apenas esta. E estávamos preparados para não seguir adiante se eles não aceitassem. Não se tratava de nenhum bluff. Entretanto, saiu o Deadpool e foi o estrondo que sabemos. Era muito ousado das suas escolhas. Como Logan também é ousado. Mas não é fácil ser ousado. Pode ser fácil ser ousado enquanto ator, quando se dirige ou escreve. Já aquele que está a pensar fazer dinheiro com o projeto tem de fazer a escolha certa. Neste caso, tenho de lhes dar créditos por terem avançado com esta opção.

Quando foi que decidiu que esta seria a sua última prestação enquanto Wolverine?

Pode parecer um pouco estranho, mas lembro-me de estar uma vez à mesa com o Jerry Seinfeld e de lhe fazer a mesma pergunta. E ele falou-me da sua última temporada, quando lhe ofereceram todo o dinheiro que quis. E lembro-me de ele me dizer que “se guiamos com o depósito da criatividade no fim, vai ser um atarefa hercúlea levantar-nos de novo. Temos de deixar alguma energia criativa de lado”. Quando ia para casa nessa noite percebi que para mim seria também este o último filme. Sabia há algum tempo que não teria muitas mais possibilidades para tentar o limite. E lembro-me de um dia acordar às quatro da manhã com jet lag e gravar no telemóvel um voice memo. E aí definir mais de 90% do estilo que iria ter. Não o guião, pois foi o Jim (James Mangold) que escreveu. Mas o tom do filme ficou aí definido. 

E quando foi essa epifania?

Foi a 2 de março de 2015. Lembro-me porque vamos estrear o filme a 2 de março de 2017. 

E lembra-se do que disse? Algo “agora é que é”?

O que era já eu sabia. Disse apenas que seria algo mais adulto, algo mais dramático, mais emotivo. Mencionei o Imperdoável (de 1992, com Clint Eastwood), mencionei o O Wrestler (de 2008, com Mickey Rourke); algo mais realista, mais na linha do soldado que regressa a casa. No sentido de que aprendemos mais sobre essa pessoa à medida que pretende regressar à sua vida normal, do que em combate. Porque em muitos destes filmes do que se trata e da batalha, do herói, a sua ascensão, a oposição e o que está em causa. Mas a questão é como essa pessoa arranja um trabalho, como é que vive e como é que morre. 

Este é um filme sobre super-heróis, mas você é também uma super-estrela. Nesse sentido será que reflete também como a sua personagem na evolução da sua idade, no caminho que deseja trilhar enquanto ator? Ocorreu-lhe pensar nisso?

Claro. Acho que não poderia ter abandonado esta personagem há cinco anos atrás. Por isso, estou também a evoluir, a aprender. Há uma frase no filme que adoro e que diz o seguinte: “Não te tornes naquilo em que te transformam”. Acho que isso é algo que afeta qualquer pessoa, pensar que está livre de qualquer tipo de pressão, seja da sociedade, seja dos pais e resolver ideias de sucesso, de merecimento, amigos, filhos. Todas essas coisas. Nós medimo-nos em relação aos outros, desde uma idade muito tenra, mas a ideia central será tentarmos ser nós próprios. Isso é algo que eu sinto estar mais próximo de acontecer. 

Percebeu que se tratava de alguma ponte consigo própria?

Nesse sentido, reflete onde estou neste momento, reflete aquilo de me orgulho neste filme, na minha prestação. Acho que no início do filme, o Logan está aterrado com a perspetiva da intimidade. A intimidade apenas trás a dor; toda a gente que ele conheceu e amou morreu. Acho que ele acredita mesmo que o mundo ficará melhor sem ele. Para si, o peso da vida tornou-se insuportável. Mas… isso não sou eu (risos). Eu não penso assim. Sou muito mais despreocupado, gosto de me sentir otimista, nem estou sequer a viver uma crise da meia idade. Pelo menos que me aperceba (risos). Pelo menos ainda não. Sinto bastante entusiasmo para o que está para vir. Nesse sentido, sou bastante diferente do Logan.

Será este o filme de mais se orgulha?

Talvez seja mesmo a minha melhor prestação desta personagem. Dos nove que fiz é seguramente um dos que mais me orgulho. Há coisas interessantes que fiz em teatro e em outros filmes que também me deixam bastante satisfeito. 

Este é um filme sobre fronteiras. Acha que este é aquele em que ultrapassou a sua própria fronteira?

Às vezes, olho para trás e lembro-me de quando tinha 25 anos e achava que sabia tudo; aos 35 casei-me e aí pensei que, sim, agora é que sabia tudo. Agora tenho filhos e acho que estou mais longe nessa linha. É interessante que use essa imagem da fronteira. No filme usamos fronteiras, mas também em sentido figurado em termos de relações humanas e intimidade com as pessoas. Acho que essa é literalmente a viagem de cada um de nós. Nesse sentido, acho que se relaciona, mas não me parece que exista um destino preciso. 

Está a ser difícil dizer adeus à personagem?

Ontem à noite foi difícil. Foi difícil, porque foi emotivo. Eu estava sentado ao lado do Patrick Stewart e lembro-me de que ele disse algo que nunca esquecerei. Ele estava sentado atrás no carro, estava imenso calor (130º F), no Mississippi. A pobre da Dafne (Keen) tinha 11 anos. E tivemos de desligar o ar condicionado e as janelas tinhas de estar subidas por causa do som. Quando regressamos ao campo, de janelas abertas, o Patrick (Stewart) fez a Dafne jurar que iria fazer teatro. Isto porque no teatro sabemos que podemos repetir essa cena durante seis meses. Eu senti isso a noite passada, que não vou poder fazer outra vez essa cena. Há uma tristeza de não poder fazer essa personagem.

Continua a querer viver na Austrália? Não tem receio do sol e do perigo de reabilitar um cancro?

Os australianos são provavelmente o povo mais educado no que diz respeito ao sol. Isso não é uma razão para deixar de viver. O meu cancro antigo tem 25 anos. 30 anos depois das lesões. Quando era novo não usava protetor solar, mas também quem usava? A regra era ficar queimado duas ou três vezes, mijar em cima da queimadura e já está. Havia quem usasse óleo, mas isso refletia ainda mais o sol. Basta tomar cuidado.

Como foi trabalhar com Dafne, esta jovem atriz de 11 anos?

Foi fenomenal. Ela é muito especial. Transmiti ao Jim (Mangold) o meu nervosismo por ela não falar durante 90 páginas do guião. Isso são 90 minutos do filme em que não diz uma palavra. E ela tem de manter esse lado fechado de uma máquina de matar, gradualmente a abrir-se para a vida e ligação com a minha personagem e com o Charles (Patrick Stewart), isto sem dizer uma palavra. Digamos que é obra. O Jim mostrou-me uma foto do teste que ela fez, no momento em que começa a ficar zangada, e fiquei logo impressionado; depois, mostrou-me o vídeo e confirmei quando fiz uma cena com ela. A Dafne é incrível. Talvez o facto de ambos os pais serem atores pode ajudar.