Vanessa. As mentiras que os homens contam

A normalização da mentira estendeu-se a todos os campos. No plano pessoal é uma grande chatice mas vive-se com isso. No plano político é uma grande chatice mas também se vive com isso. Vejam o Núncio.

Devíamos fazer a lista dos livros que não lemos, com a mesma simplicidade que fazemos a lista dos livros de que mais gostámos ou dos “livros da nossa vida” ou os dos “20 melhores livros para levar para férias”. Um livro que eu não li foi “As mentiras que os homens contam” do escritor brasileiro Luís Fernando Veríssimo. Mas adorei a contracapa que basicamente diz – e vou citar de memória porque assim de repente não me aparece nada no Google – que os homens mentem por isto e por aquilo, por tudo e por nada, para não aborrecer as mulheres, para não chatear as “amantes”, para não responderem às perguntas chatas das mães, para não levarem com cenas de ciúmes das namoradas, etc., etc., etc.

Segundo a Vanessa, que não tem a categoria literária nem o humor de Luís Fernando Veríssimo, os homens mentem como quem bebe um copo de água, um copo de gin tónico, uma imperial ou uma mini. E a maioria das vezes até se esquecem que mentem o que torna quase inviável aquela tentativa da contraprova. É como se vivessem completamente ébrios para poderem justificar que nunca se lembram de nada.

Tipo: O que é que eu fiz ontem à noite?

Vanessa: Entre várias coisas, disseste que me adoravas.

Tipo: Eu disse isso?

Vanessa: Disseste. Não te lembras?

Tipo: Na verdade não.

Vanessa: Não te lembras ou não me adoras?

Tipo: As duas coisas.

Claro que as nossas avós sabiam disto tudo e – tirando as ingénuas, que foram sempre gozadas na literatura – eram muito desconfiadas. Não davam abébias. Esforçavam-se para encontrar “um homem sério” e despachavam os outros que rondavam – os que tinham pinta de não serem sérios – com uma graciosidade maravilhosa. Depois, as coisas mudaram. As mulheres achavam que as nossas avós atuavam assim porque vivíamos tempos muito machistas e que a emancipação poderia dar lugar à reconciliação. Mentira: nem os tempos machistas acabaram, nem a reconciliação feminista levou alguém a lado nenhum (mentira! conheço seis casos) e as ingénuas em vez de desaparecerem multiplicaram-se.

Não é que a Vanessa seja muito ingénua, mas já levou com diálogos assim:

Tipo: Adoro-te, és linda.

Vanessa: Achas?

Tipo: Quero fazer imensas coisas contigo.

Vanessa: Isso parece-me interessante.

Tipo: Vamos fazer uma viagem por Itália

Vanessa: Era fixe

No dia seguinte:

Vanessa (por sms) Já estou a pensar na viagem a Itália

O tipo não responde.

Claro que a normalização da mentira se estendeu a todos os campos. No plano pessoal é uma grande chatice mas vive-se com isso. No plano político é uma grande chatice mas também se vive com isso. Vejam o Núncio. Mentiu com os dentes todos na semana passada, mudou a versão dos factos duas vezes, demitiu-se das funções no CDS e a líder dos centristas, Assunção Cristas, ainda lhe veio elogiar “a grande elevação de caráter”. Com Mário Centeno todos já sabemos o que aconteceu: combinou um regime de exceção com António Domingues que não podia combinar, disse no Parlamento que não combinou nada, acabou a assumir “um erro de perceção mútuo” e para o primeiro-ministro “tem a admiração do país” e razão “da inveja da oposição”. Devíamos despenalizar a mentira. Como diria Marcelo num outro tempo a propósito do aborto: “É proibido mas faz-se”. Façam, mintam, que a gente já não se importa.