Portugal: o problema está posto ao contrário

Terminou agora mesmo a conferência de imprensa do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, que acompanhei pela Bloomberg TV. O BCE manteve hoje as suas taxas de juros e o seu programa de compra de dívida intocados. Além disso, Draghi frisou que o BCE está agora mais otimista sobre o crescimento económico na…

Curiosamente, a última pergunta da conferência de imprensa foi sobre Portugal: o que fará o BCE se, no seu programa de compra de dívida, não houver mais dívida portuguesa para comprar? Draghi não respondeu. Portanto, um problema inverso ao de se chegar ao fim do dinheiro destinado a comprar dívida portuguesa. Isto é, o problema não é a falta de dinheiro para comprar dívida nacional, é a falta de dívida para comprar. No debate português, o problema está posto ao contrário.

Seja como for, os mercados de dívida na zona-euro evoluíram no sentido “correto” após a decisão do BCE e as palavras de Draghi. Às 14.40, os juros da Alemanha, a dez anos, subiam 0,05% para 0,41%, enquanto as dívidas de países ditos periféricos, sobretudo a Itália e a Espanha, desciam. Em Portugal, outro dos periféricos, os juros da dívida a dez anos estavam inalterados em 3,99%. O que quer dizer que aconteceu o mesmo com a dívida portuguesa que com a dívida espanhola e italiana: a diferença para a dívida alemã diminuiu.

Isto é positivo, e importante, por duas razões. Primeiro porque, para todos os países e também para Portugal, quanto mais baixos os juros, melhor. Em segundo lugar, porque não se justifica um diferencial tão grande nos juros de dois países que partilham a mesma moeda, como a Alemanha e Portugal.

Na Alemanha, crescem as vozes pedindo o fim do programa de compras de dívida e a subida das taxas de juro. Mas Draghi, por trás do seu aspeto franzino, oculta uma vontade de ferro. Em primeiro lugar, deixou bem claro que os juros na zona-euro se vão manter reduzidos – ou mesmo negativos – por muito tempo. Em segundo lugar, frisou que a inflação, descontando os itens mais voláteis como a energia e os bens alimentares não processados, se mantém em 0,9%, logo bastante abaixo do objetivo do BCE de ter uma inflação “perto mais abaixo de 2%”. Em terceiro lugar, lembrou que o euro é irrevogável.

Bem que podem vir vozes, sobretudo da Alemanha, a pedir a subida das taxas de juro. Draghi sabe muito bem que o BCE é uma instituição independente, e deixa isso bem claro em todas as ocasiões em que intervém. Os únicos juros que sobem hoje na Alemanha são os da dívida de longo prazo.