O PSD queixa-se de Marcelo porquê?

Calhou, nestes dias em que o primeiro aniversário da presidência de Marcelo foi comemorado, eu ter andado a ler o segundo volume da biografia de Jorge Sampaio, da autoria de José Pedro Castanheira.

 É evidente que Marcelo e Sampaio – que ficaram até amigos depois de conviverem na Câmara de Lisboa enquanto presidente e vereador – não têm nada a ver um com o outro. De resto, a sobriedade de Sampaio contrasta com a euforia de Marcelo; a hipercomunicabilidade de Marcelo contrasta com um traço mais institucional de Sampaio. As diferenças são imensas em vários domínios.

Mas há um campo que os dois comungam: independência total no cargo de Presidente relativamente ao campo político que os elegeu. O apoio do Presidente ao Governo, que é muito criticado na direção do PSD e em outros setores da direita, mas releva da leitura dos poderes presidenciais feitas pelos seus antecessores no cargo como Mário Soares e Jorge Sampaio. E, de resto, o apoio não tem sido incondicional nem isento de críticas – onde pôde condicionar Costa, Marcelo condicionou. E tem levado os seus poderes de ‘magistratura de influência’ sobre o Governo ao limite. O PSD não vê isto porque está cego pelo ódio. 

M arcelo e Passos não se podem ver. Passos não queria que Marcelo fosse Presidente. Depois de ter engolido um primeiro sapo – aceitar que o PSD apoiasse a candidatura de Marcelo a Belém – Passos foi obrigado a engolir segundo sapo, o de ir para a oposição apesar de liderar a coligação que obteve mais votos nas eleições. É normal que Passos Coelho, que apostou todas as fichas no insucesso do Governo e se tem visto contrariado permanentemente, se aborreça com o apoio de Marcelo ao Governo.

Mas Marcelo está a fazer o que deve: ele não é Presidente da República do PSD. Durante o seu mandato, Jorge Sampaio deu provas, com dolorosos custos pessoais, de não ser um Presidente da República do PS. Quando nomeou Santana Lopes contra a opinião da esquerda que o elegera ou quando manifestou sempre apoio ao PGR Souto Moura no processo Casa Pia – magoando pela primeira vez Ferro Rodrigues, seu amigo íntimo desde os anos 70 – Sampaio deu uma lição de imparcialidade no exercício das funções. Marcelo não está a fazer ao PSD metade do que Sampaio teve que ‘fazer’ ao PS.