Banca no feminino ainda está atrasada

A evolução da igualdade de género no setor bancário e financeiro tem sido lenta. Mas iniciativas privadas e nova legislação procuram acelerar um processo em debate.  

Banca no feminino ainda está atrasada

A presença de mulheres na banca, à semelhança de outras áreas da economia, é desde há muito uma questão em debate em Portugal. Desde o rumor de que o Banco Comercial Português (BCP) recusava a contratação de mulheres, passando pelos produtos bancários dedicados a mulheres e imposição de quotas femininas para empresas cotadas em bolsa – onde há  bancos –, a evolução tem sido lenta.

Uma análise rápida às sete maiores instituições financeiras no país, que representam a esmagadora maioria do mercado, revela que o número de mulheres nos cargos de topo – aqui o critério usado é administração executiva – das entidades bancárias portuguesas é mínimo. 

Isto apesar de ser verificável que nestas mesmas instituições o número de colaboradores masculinos e femininos é aproximado, reflectindo a distribuição por género da sociedade portuguesa.

Dados de junho de 2016, disponibilizados pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), mostram que no BPI trabalhavam naquela altura 5.831 pessoas. das quais 3.143 pessoas eram mulheres e 2.688 homens. Mas na Comissão Executiva, em seis elementos, apenas um é mulher.

Na Comissão Executiva de oito membros do BCP, Maria da Conceição Mota Soares de Oliveira Callé Lucas é a única mulher. No universo de trabalhadores contam-se 4233 homens e 2690 mulheres. Conceição Lucas foi a primeira mulher a assumir um cargo na administração do banco, instituição no qual a presença feminina foi alvo de polémica. 
Também apenas uma mulher é dirigente de topo na Caixa Geral de Depósitos, Maria João Borges Carioca Rodrigues, e no Santander Totta Inês Oom Ferreira de Sousa. 

No banco público trabalham 8683 pessoas (5.049 mulheres e 3.634 homens) e na instituição espanhola 3.431 homens e 2.850 mulheres.

A administração da Caixa de Crédito Agrícola (CA) conta com Ana Paula Raposo Ramos Freitas como administradora desde 2013, Montepio e Novo Banco (NB) têm administrações exclusivamente masculinas. No entanto, a nova comissão executiva do NB, que aguarda aprovação do BCE, será composta por cinco homens e duas mulheres.

«Ainda não é particularmente igualitário mas é melhor do que os outros principais bancos», diz o CEO do Novo Banco, António Ramalho. 
Uma delas é a CEO do Banco BEST, Isabel Ferreira, que a par de Maria Cândida Rocha e Silva, presidente do Banco Carregosa, são as únicas banqueiras em Portugal, sendo esta última uma referência e pioneira no setor (ver texto ao lado). 

No NB a distribuição de homens e mulheres em junho de 2016 era quase paritária – 2.501 homens e 2.488 mulheres. O Montepio tinha também um número de homens e mulheres aproximado (1.941 e 1.987) enquanto no CA trabalhavam 3.638 pessoas – 1.944 homens e 1.694 mulheres.
Conceição Callé Lucas chegou em 2012 à administração do BCP, mais de 25 anos depois do nascimento do primeiro banco privado de retalho criado após o 25 de Abril. Em meados dos anos 1980 o BCP esteve envolto em polémica por, alegadamente, recusar contratar mulheres.

Este tema chegou a ser debatido na Assembleia da República e deu origem a um projeto lei que punia com coimas qualquer prática laboral discriminatória em função do género. Na altura, no Avante, Odete Santos escreveu que «em 1997 a Assembleia da República aprovou o Projecto de Lei do PCP, que ficou conhecido como o Projecto do BCP, porque nascido das discriminações das mulheres praticadas pelo senhor Jardim Gonçalves, daquele Banco». 
Há cinco anos, o fundador e líder do BCP durante 20 anos refutou a alegada falta de contratação de mulheres por parte do banco. «Isso é mentira. Desde o primeiro dia que houve mulheres no BCP. Mas houve mulheres que pediram para sair porque já tinham perdido um casamento e não queriam perder o segundo», disse Jorge Jardim Gonçalves em entrevista ao SOL.

O tema da participação feminina no mundo financeiro está em constante discussão e durante a primeira década do século XXI, um estudo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) revelava que a participação das mulheres neste universo era minoritária. O facto era entendido como revelador do modelo tradicional de divisão de responsabilidades na média das famílias portuguesas, no qual as mulheres geriam as despesas relacionadas com o consumo da família e os homens asseguravam as relações com as instituições financeiras e decidiam o modo como aplicavam as poupanças. 

O mesmo estudo revelava que nos diversos produtos bancários as mulheres apresentavam valores mais baixos do que os homens. Na altura a CGD comercializava um segmento de produtos destinados às mulheres «com vidas ativas: família, carreira e orçamento para gerir» com o objetivo de disponibilizar soluções simples que sirvam as necessidades e interesses das mulheres. 

Programa

Hoje em dia este tipo de produtos é residual – o Millenium BCP tem uma ‘Conta mulher’ – mas a questão da desigualdade mantém-se apesar de as instituições financeiras, e também as políticas, tentarem operar uma mudança. 
Esta semana o Novo Banco (NB) lançou um programa de igualdade do género. O #NB Equal Gender tem como objetivo «garantir um maior equilíbrio em linha com a base de clientes, o talento disponível e um princípio de meritocracia global».

A instituição financeira quer ter  um papel de referência neste domínio e com #NB Equal Gender assume o objetivo concreto de a nível dos quadros diretivos «passar o peso do género sub representado dos atuais 32% para 40% em 2020» e ao «nível de coordenação de Departamentos – 9 em 39 são hoje mulheres (23,6%) – aumentar para 33% a representatividade este nível, até 2020».  

A questão da igualdade de género está na ordem do dia também na supervisão financeira, depois de a nova administração do Banco de Portugal (BdP) ter sido recusada pelo Governo. 
Um das justificações foi  a necessidade de haver mais mulheres no elenco, uma vez que, sob o argumento das quotas de género que estão a ser impostas aos bancos, o Executivo explicar que o BdP não podia ter apenas uma mulher na administração, no caso a antiga deputada ao Parlamento Europeu Elisa Ferreira.

Quotas 

A imposição de quotas de género é um tema desde há muito debatido e, no início do ano, o Governo aprovou uma proposta de lei que obriga as empresas públicas e as empresas cotadas em bolsa a cumprirem uma quota mínima de cada género nos conselhos de administração.

A partir de 1 de janeiro de 2018, um mínimo de 33,3% dos cargos dos conselhos de administração das empresas públicas terão de ser ocupados por mulheres. No caso das empresas cotadas, a quota é de 20%. De acordo com o Executivo, este é «um primeiro passo na concretização das medidas de promoção de igualdade entre mulheres e homens em cargos de decisão». A proposta está no espírito da legislação comunitária com o objetivo de promover uma representação mais equilibrada de homens e mulheres nas administrações.