Um ano de Assunção (ou se Marcelo fosse mulher)

Direita dos sorrisos convence direção, mas não convence sondagens. Um ano depois, PSD e PS ainda esperam para ver o que Cristas tem para dar

Há jovialidade, fotografias, televisão, a Igreja, ambição eleitoral e não se é de esquerda. Podia estar a falar-se de Marcelo Rebelo de Sousa e da sua sorridente presidência, mas não. É de Assunção Cristas e do seu primeiro ano como líder do CDS-PP.

A única mulher na história dos centristas a chefiar o partido teve um ano, no mínimo, preenchido. Sem ausência de vitórias, sem ausência de polémicas e, certamente, sem ausência de mediatismo.

Com a formação da maioria de esquerda, o parlamento foi ganhando contornos de guerrilha. Se o PSD manteve (ou vai mantendo) a postura protocolar, Cristas desenvolveu um estilo aguerrido – e por vezes criativo – de fazer oposição ao governo de António Costa.

Luís Pedro Mota Soares, que com ela foi ministro do governo Passos/Portas, disse ao i: “Num ano muito difícil, conseguiu ultrapassar as dificuldades. Soube tomar a iniciativa e marcar a agenda. Soube denunciar os erros da atual gestão política e não se afastar das pessoas. A candidatura [autárquica] a Lisboa é a melhor prova de tudo isto”.

Fora das paredes da Assembleia da República, a imagem aposta no otimismo, o slogan é fazer política “pela positiva” enquanto Pedro Passos Coelho prossegue sem abdicar das advertências de desastre ao Partido Socialista. Em duas coisas estão bem juntos: no escrutínio ao executivo e na distância que dele têm nas sondagens. Em intenções de voto, o PS já ultrapassa sozinho a antiga coligação PàF. A palavra de ordem é, portanto, continuar. Passos na linha de sempre, Assunção “pela positiva”.

Para os centristas, a estratégia passa por menos estatísticas sobre a economia e mais quotidiano sobre as pessoas. No otimismo e nos sorrisos, a presidente do CDS aproxima-se mais da direita de Marcelo como Presidente da República que da direita de Passos como líder da oposição. O Largo do Caldas e o Palácio de Belém estiveram quase sempre alinhados, por exemplo, nas raras críticas que o Presidente da República fez ao governo de Costa.

A direita da selfie Nesse sentido, se a presidência marcelista conquistou o povo e a imprensa, Cristas procura ir conquistando também com uma forte presença nos meios de comunicação social. Tem uma rubrica semanal no canal do Correio da Manhã, assim como uma coluna de opinião no mesmo jornal. “Menina e moça”, chama-se, em evidente referência à sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa para as autárquicas deste ano.

Francisco Mendes da Silva, dirigente nacional do partido e também presença semanal no pequeno ecrã, lembra que “António Costa também teve uma coluna no Correio da Manhã” e que, como “mãe e trabalhadora” tem esse alcance “admirável”. “A Assunção Cristas entrou num partido conservador e em dez anos chegou a líder sem oposição”, diz ao i Mendes da Silva, para quem “fazia sentido o CDS dar esse sinal de abertura para fora”.

É a única líder partidária do hemiciclo a manter um compromisso tão regular com um órgão de comunicação social. A semana passada, concedeu uma entrevista à popular revista feminina “Maria”, essencialmente focada em telenovelas, mas de tiragem superior a duzentos mil exemplares por semana. Já cantou até Grândola Vila Morena, um hino da revolução de Abril, num programa de rádio.

Acerca da preponderância mediática, Adolfo Mesquita Nunes, seu vice-presidente, afirmou ao i: “A Assunção Cristas tornou-se em menos de um ano numa figura de primeiro plano na ação política: consegue polarizar o debate parlamentar, introduzir temas alternativos aos do governo, liderou todos os principais ataques a este governo, tem condicionado a cena política com a sua candidatura autárquica [a Lisboa] e permitiu ao CDS mudar de liderança e passar para uma agenda pós-troika com tranquilidade e naturalidade”. Todos os vices da direção de Cristas, de Nuno Melo a Cecília Meireles, também passando por Mesquita Nunes, já vieram a público expressar a sua crença num bom resultado da sua candidatura à câmara da capital. Com o ‘não’ de Santana Lopes ao PSD/Lisboa e o atempado anúncio de candidatura de Cristas, o CDS condicionou, de facto, a arena autárquica. Passos, no entanto, descartou apoiar a sua homóloga.

Mãe Natal com dores de cabeça Pelo parlamento, Assunção inovou com ofertas alegóricas. No natal, ofereceu um soro da verdade e uns óculos para o primeiro-ministro “ver melhor”. Costa, no habitual humor, tratou-a por Mãe Natal. Mais tarde, o bom ambiente não prevaleceria, com Assunção Cristas a ser a primeira deputada a acusar diretamente o chefe de governo de ser “mentiroso”.

Internamente, duas polémicas sobressaíram durante o consulado de Cristas. A primeira, depois de aceitar o convite do MPLA para ir pela primeira vez a um congresso do partido do regime angolano, quando Hélder Amaral salientou os pontos em comum entre os centristas e os anfitriões. Filipe Lobo d’Ávila, que lidera uma lista alternativa a Cristas no conselho nacional, logo inquiriu sobre a doutrina internacional da direção.

Escutado pelo i, Lobo d’Ávila avaliou o primeiro ano da nova liderança: “O CDS procurou deixar a sua marca em variadíssimos temas onde, globalmente, esteve bem. Na natalidade, no envelhecimento ativo, na sustentabilidade da segurança social”. No entanto, “do ponto de vista do combate político”, o parlamentar não gosta “do conforto com que o primeiro-ministro se apresenta”. “O CDS tem um papel essencial a desempenhar na oposição: temos que ser exigentes connosco próprios para podermos ser exigentes com o Governo”, vaticina. Sobre se falta algo do tempo de Paulo Portas, Lobo d’Ávila considera “a comparação injusta para Assunção Cristas”. “Paulo Portas era e é um dos políticos mais dotados da sua geração e um líder marcante do CDS. Assunção Cristas ainda está a procurar o seu caminho e a sua marca”, remata ainda ao i.

A lista de Lobo d’Ávila reúne mensalmente um pouco por todo o país, contando com Raul Almeida e Altino Bessa, ex-deputados, e com João Casanova de Almeida, ex-secretário de Estado. Ao que o i apurou, o objetivo é conjugar ideias que façam “oposição à geringonça”, não à direção do partido.

O outro episódio mais relevante tem sido a polémica em torno do envolvimento de Paulo Núncio no caso das offshores. O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do executivo de centro-direita assumiu a “responsabilidade política” da não publicação das estatísticas sobre as transferências de capital para paraísos fiscais. Núncio demitiu-se dos órgãos nacionais do CDS, apesar de Rocha Andrade, o atual titular de cargo revelar no parlamento que não houve “mão humana” no caso.

A falta de escrutínio das transferências, no entanto, ainda atormenta os centristas, na medida em que surgem notícias que ligam o passado profissional de Paulo Núncio a entidades que poderão ter transferido dinheiro durante o lapso (informático ou não). Cristas reagiu prontamente, dizendo que o “país deve muito a Paulo Núncio” no combate à evasão fiscal e manifestando a maior disponibilidade para apurar o sucedido. O i sabe que o envolvimento de Núncio suscitou alguma estupefação, tendo em conta o modo disciplinado como era reconhecido o seu mandado no fisco. No último conselho nacional dos centristas, a preocupação de ver o partido envolvido “em mais um caso” foi discutida, sabe também o i.

Na mesma com os outros ou os outros na mesma? Do lado do PS, Ascenso Simões diz ao i que no parlamento “os protagonistas do ‘portismo’ são os mesmos do ‘cristianismo’, não se notando diferença entre a era de Portas e a de Cristas. “Não há novas lideranças que se possam afirmar sem mudar protagonistas”, diagnostica Ascenso. “Esta liderança poderia ter alguma frescura, mas esta não se vê nas bandeiras do CDS a não ser, talvez, no maior protagonista do novo quadro partidário, que é o Adolfo Mesquita Nunes”, avalia o deputado socialista, lembrando que o facto de Mesquita Nunes não ser deputado “lhe reduz algum espaço”.

No PSD, a relação mantém-se praticamente a mesma. Cristóvão Norte, deputado social-democrata, admite ao i que “havia a expectativa, com o novo quadro político, que o CDS visasse ocupar um espaço de maior amplitude, disputando-o com o PSD, coisa que manifestamente não sucedeu”. A relação entre os ex-parceiros de coligação, diz o homem do PSD, “continua idêntica” ao antigamente. “O fim do voto útil deveria beneficiar o CDS e segundo as sondagens isso não se verificou”, adianta Norte que recorda também que “o tempo ainda é curto” para avaliar o porquê disso. “A longevidade da liderança de Paulo Portas associada à sua forma idiossincrática e marcante de fazer política é difícil de substituir”, conclui.

João Gonçalves Pereira, líder da distrital lisboeta do CDS e porta-voz da candidatura do partido, relembra que “historicamente, as sondagens nunca são boas para o CDS” e louva o “empenho e seriedade na forma de fazer política” da líder, assim como “a vontade de querer estar com as pessoas”.

Para o dirigente centrista, “não há transições fáceis depois de lideranças fortes [como a de Portas]” e que “este foi um ano em que Assunção Cristas conheceu melhor o partido e o partido conheceu melhor a Assunção Cristas”. Gonçalves Pereira fala deste fim de semana – em que Cristas visitou o Norte, apresentou a candidatura de Mesquita Nunes à Câmara Municipal da Covilhã e ainda regressou a Lisboa para dois eventos – como exemplo de como a presidente do CDS valoriza o contacto “tanto com as bases do partido como por todo o país”.