“Nunca recebi dinheiro de ninguém”

A frase está mal construída, pois contém uma dupla negação, tendo assim o sentido oposto ao que o seu autor lhe queria dar. O que José Sócrates queria realmente dizer é que nunca recebeu dinheiro de quem quer que seja. A questão, brevemente, vai ser se um juiz acreditará nele.

A batalha da opinião pública já Sócrates perdeu. Numa democracia madura como Portugal, boa parte da população acredita que um antigo primeiro-ministro se deixou corromper. Todos são inocentes até prova em contrário, mas eu não me esqueço daquele senhor, no barbeiro, que exclamava, incrédulo: “o primeiro-ministro é corrupto”.

Uma parte substancial da população portuguesa sente-se traída. Foi Sócrates que levou o PS à sua primeira – e até hoje única – maioria absoluta, vencendo Pedro Santana Lopes, do qual a obra mais relevante foi tirar a Marcelo Rebelo de Sousa o seu espaço de comentário político, alegadamente porque haveria mais futebol a transmitir. Foi um afastamento de curta duração.

O primeiro governo de Sócrates caracterizou-se por uma imediata subida de impostos, depois de ele ter dito durante toda a campanha eleitoral que não lhes ia mexer. Foi também o tempo em que as PPP’s proliferaram, e em que o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, não conseguiu baixar o défice tanto quanto queria e devia, de forma que quando Portugal foi atingido pela crise de 2008, e teve de subir o défice para estimular a atividade económica, levou o país à bancarrota. Mas uma coisa é ser (muito) incompetente, outra coisa é ser corrompido.

Na realidade, não sei. Por isso aguardo pelo julgamento, para ver se as provas recolhidas são suficientemente sólidas. Até lá, nos meus comentários, e se bem que isso possa chocar vários leitores, irei guiar-me pelo principio que aprendi: inocente até prova em contrário. E espero que o julgamento não tarde, e que se chegue rapidamente a um veredito, para podermos continuar com as nossas vidas sabendo se tivemos, ou não, um primeiro-ministro corrupto.