Montepio. Associação mutualista debaixo de fogo nega falência

KPMG fala em buraco de 107 milhões, mas Tomás Correia diz que “não há qualquer situação de insolvência” e afasta necessidade  de aumentos de capital.

O cenário é arrasador para a Associação Mutualista Montepio, dona do banco com o mesmo nome. De acordo com a auditoria feita pela KPMG, a associação liderada por Tomás Correia está em falência técnica, com um registo de capitais negativos superiores a 107 milhões de euros nas contas relativas a 2015. Como solução, a consultora sugere a apresentação de um plano para restabelecer a situação de capital, ou recorrendo a capital por via externa ou através de ativos. 

Tomás Correia já afastou este quadro, garantindo que “não há qualquer situação de insolvência”. O presidente da Associação Mutualista disse ainda que “a palavra que mais me chocou [nas notícias desta manhã] foi ‘falência’”, revelou ontem em conferência de imprensa. 

O responsável explicou que, para 2017, o plano de negócios aponta para resultados positivos e “interessantes” no setor segurador e bancário. “Estamos a falar de resultados na ordem dos 50/60 milhões de euros na banca. A Associação Mutualista tem uma situação muito confortável a nível das contas.”  O responsável afasta, assim, a necessidade de haver novos aumentos de capital por parte da Associação Mutualista. 

Calcanhar de Aquiles

A verdade é que a estrutura financeira do Montepio tem sido uma das preocupações centrais do Banco de Portugal (BdP) no que diz respeito à supervisão bancária. Uma vez que se trata de um banco de menor dimensão, é diretamente supervisionado pelo BdP e não pelo BCE, como acontece com os cinco principais bancos portugueses. No entanto, o seu principal acionista, e que também vende produtos financeiros no balcão do banco, é regulado pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social e conta com mais de 632 mil associados.

Contactado pelo i, o ministério de Vieira da Silva não prestou qualquer tipo de declarações. 

Tomás Correia já veio garantir que tem estado em “contacto permanente” com o Ministério do Trabalho e revelou que ainda ontem falou com Vieira da Silva. “Há um diálogo franco, uma troca de informações, transparentes, como deve ser”, salientou.

  Face ao cenário de falência, mesmo com a quebra dos capitais próprios, a associação garante que tem solidez financeira para fazer face às responsabilidades, nomeadamente perante os mutualistas. Ainda assim, houve uma quebra no rácio de cobertura, que passou de 1,17 para 1,052, em ambos os casos cobrindo a totalidade das responsabilidades.

O certo é que o governador do Banco de Portugal disse recentemente que o banco “está a dar passos sérios no sentido de se transformar num pilar financeiro do terceiro setor” mas, quando confrontado com a questão de os produtos da associação mutualista serem vendidos aos balcões da Caixa Económica, disse apenas: “Os produtos não são supervisionados por nós.”

 Riscos

A aposta numa remuneração superior em alternativa aos depósitos a prazo é a regra que tem sido seguida pelo Montepio na oferta dos mais variados produtos mutualistas. Mas as dificuldades começam nas penalizações por resgate antecipado, alerta ao i o economista da DECO António Ribeiro.  E os problemas não ficam por aqui. Estes produtos financeiros não estão ao abrigo do Banco de Portugal e, como tal, não beneficiam do Fundo de Garantia de Depósitos – que assegura até 100 mil euros por titular de conta.

A reserva do banco é que poderá indemnizar os clientes em caso de falência.  “Estas soluções mutualistas são muito semelhantes a um seguro de capitalização. Até têm a mesma fiscalidade, mas a autoridade que as regula é um ministério, portanto, o próprio governo”, diz o economista. António Ribeiro acreditava que estes problemas de supervisão estariam prestes a terminar há um ano, quando houve a separação entre as duas entidades: banco e associação. “Mas nada de novo surgiu sobre a tutela e segurança dos produtos financeiros emitidos pelas associações mutualistas”, diz o responsável, acrescentando ainda que “a supervisão deveria ser feita por uma entidade isenta, autónoma e competente, na medida em que regula produtos financeiros semelhantes”.

  A DECO já alertou para esse risco a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, mas não tem tido respostas.