«Não quero certo. Gosto do incerto»

Nesta declaração, escrita numa enorme parede branca, junto da antiga piscina do Areeiro, na Avenida de Roma, em Lisboa, o autor afirma: «Não quero certo.

Gosto do incerto. O feio pode ser belo visto de perto. O avesso às vezes dá certo.» E, apesar de parecer uma afirmação algo estranha, se pensarmos bem, tem o seu fundo de verdade. Muitas vezes aquilo que é incerto contém sementes de imaginação, surpresa e incerteza que tornam a vida muito mais interessante. Podemos perguntar-nos, com D. Francisco Manuel de Melo: «Que farei logo, incerto em mundo incerto? / Buscar nos Céus o verdadeiro Norte, / Pois na terra não há caminho certo.»

Se estivermos abertos àquilo que a vida nos pode trazer, acabamos por usufruir muito mais das suas possibilidades. Se aceitarmos, de espírito aberto, o que nos acontece, a probabilidade de usufruirmos de mais caminhos, é naturalmente muito maior. No entanto, a certeza sobre o que vai acontecer dá-nos segurança e, assim, acreditamos que seremos capazes de atingir mais facilmente os nossos objetivos.

Como já referido noutra crónica, o conceito de beleza é muito relativo e, efetivamente, algo que, à partida, parece feio, quando visto de perto ou numa outra perspetiva, pode adquirir contornos de beleza inesperados. Até porque, como escreveu Clarice Lispector: «Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro»…

Muitas vezes, ao folhear revistas, somos confrontados com imagens de pormenor de peles de animais ou fotografias tiradas através da lente do microscópio, que nos parecem muito belas, e somos surpreendidos pela beleza de um animal, uma célula ou um micróbio que, à partida, nunca caberiam nos nossos padrões de beleza. Nestes casos, como em diversas situações, trata-se apenas de uma questão de observação e de mudança de ponto de vista. Daí que «O avesso às vezes dá certo».

Mas, para que tal aconteça, é preciso estarmos abertos a que a vida e o mundo que nos rodeia nos surpreenda e nos faça descobrir, dentro de nós, outras formas de olhar, outras possibilidades, outros pontos de vista.

Se pensarmos num material comum, como um tecido, por exemplo, teremos de concordar que o avesso é, por vezes, muito mais bonito do que o lado certo, seja porque o negativo das cores acaba por ser visualmente mais elegante, seja porque, mesmo sem disso termos consciência, nos agrada mais o lado contrário. Há em nós, por vezes, algo que nos leva a optar pelo contrário do que estaria certo. Só que, nem sempre, esse caminho é assim tão errado… Como refere Maria Teresa Horta: «Há dias em que nego / e outro onde nasço / há dias só de fogo / e outros tão rasgados // Aqueles onde habito com tantos / dias vagos».

Para podermos ter essa capacidade de ver o mundo de forma diferente, é necessário, pois, conseguirmos e querermos sonhar.