Neoliberais na Geringonça

Um secretário de Estado defendeu as exportações, os novos mercados e o investimento estrangeiro…

Era uma sala elegante e uma comissão quase alegre. Os deputados da direita sentam-se sempre virados para as janelas, «com tendência a serem ofuscados pelo sol», sorriu-me um funcionário do Parlamento. Uma alma mais caridosa desceu um pouco as cortinas, em prol do pluralismo, e as cadeiras onde se sentaram o PSD e o CDS, de frente para PS, Bloco e PC, lá ganharam alguma sombra.

Foi com um misto de alívio e espanto que escutei o secretário de Estado da Internacionalização, na passada quarta-feira, em audiência na comissão dos Negócios Estrangeiros. 

Se António Costa considerou publicamente Caldeira Cabral, ministro da Economia, como discreto, imagino o que não pensará sobre Jorge Costa Oliveira, o mencionado secretário de Estado com a pasta da Internacionalização. 

Costa Oliveira, que tem talvez tantos minutos de televisão no último ano quanto António José Seguro, foi recebido numa comissão sem gravação de áudio, sem registo de vídeo e sem transmissão para o canal da Assembleia da República, numa sala com somente dois repórteres: uma jornalista da agência de notícias do Estado e um jornalista deste semanário. 

O tema protagonista também possui características de elevada discrição; o programa Internacionalizar, anunciado pelo primeiro-ministro no final do último verão e, até agora, sem qualquer concretização além de um rascunho que nem sequer é público. 

Aquilo que me fez ver que Jorge Costa Oliveira se trata do segredo mais guardado da solução de governo conhecida como ‘geringonça’ foi, sucintamente, ouvi-lo.

O governante falou de «exportações», «novos mercados» e «captação de investimento estrangeiro» com uma tranquilidade rara neste governo. São, afinal, os mesmos chavões que Passos Coelho não largou enquanto primeiro-ministro e não larga enquanto líder da oposição; que em Portugal se acusam de cegueira ideológica e lá fora se veem como bom senso.

Costa Oliveira – conhecedor, mas desprendido; empenhado, mas sereno – considerou até uma estratégia de investimento estrangeiro na banca e de alívio da carga fiscal como legítima. «Portugal é uma economia aberta», afirmou, num discurso escandalosamente oposto às preferências protecionistas de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa.  

Apesar de garantir que a sua discrição se deve a falta de tempo, devido a reuniões e «palmadas nas costas dos empresários», não admira que o mantenham tão ocupado. 

Com efeito, a audiência do secretário de Estado da Internacionalização foi uma cómica prova de como o Partido Socialista – ou algum Partido Socialista – não tem mais em comum com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista que com os partidos que consigo partilharam o centro desde a revolução de Abril; por mais que isso soe bem em entrevistas e nos debates em plenário. 

Costa Oliveira é de uma excecionalidade tal que, perante a exposição de pintura da sogra de José Sócrates que a Assembleia agora alberga, poderia ser o único governante com à vontade para dizer: «’Pá, confesso que não gosto».