Secretário de Estado tem adjunta ilegal que criou carta de apoio à sua reforma curricular

Luísa Ucha, adjunta de João Costa, viola lei ao estar na direção da Associação Professores de Geografia, área tutelada pelo governante

A única carta de apoio às medidas previstas no Perfil do Aluno – que se misturam com a reforma curricular que está a ser desenhada pelo secretário de Estado da Educação, João Costa – partiu da própria adjunta do governante. Trata-se de Luísa Ucha, que, além de criar uma carta de apoio às medidas do seu secretário de Estado direto, está no cargo de forma ilegal.

Isto porque Luísa Ucha faz parte da direção da Associação de Professores de Geografia (APG), ao mesmo tempo que é adjunta do secretário de Estado que, de forma direta, toma decisões e desenha medidas que afetam todas as disciplinas do básico e secundário. Cargo que Luísa Ucha assume, aliás, na nota curricular do seu despacho de nomeação. “Integra a direção da Associação de Professores de Geografia”, lê-se no documento.

De acordo com a lei e segundo a opinião de advogados, ouvidos pelo i, Luísa Ucha é adjunta de João Costa de forma ilegal.

Este é já o segundo colaborador do gabinete de Tiago Brandão Rodrigues que está a exercer funções violando a lei.

O que diz a lei?

Segundo o decreto-lei 11/2012, que estipula as regras e as incompatibilidades dos gabinetes dos membros do governo, onde estão incluídos chefes de gabinete, adjuntos, técnicos especialitas e secretários pessoais, “os membros dos gabinetes exercem as suas funções em regime de exclusividade, com renúncia ao exercício de outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, exercidas com carácter regular ou não, e independentemente de serem ou não remuneradas”.

As únicas atividades permitidas por lei a Luísa Ucha, que teriam de ser devidamente autorizadas pelo secretário de Estado e publicadas no seu despacho de nomeação, são: “Atividades em instituições de ensino superior, designadamente as atividades de docência e de investigação” e “atividades compreendidas na respetiva especialidade profissional prestadas, sem carácter de permanência” mas apenas “a entes não pertencentes ao setor de atividade pelo qual é responsável o membro do governo respetivo”, lê-se no número 3 do mesmo artigo 7º.

O que não é o caso, já que a Associação de Professores de Geografia está ligada ao setor de atividade tutelado por João Costa. E nenhum dos vários advogados ouvidos pelo i tem dúvidas quanto à situação “ilegal” da adjunta de João Costa. “Não tendo renunciado à direção da APG não podia ser adjunta do secretário de Estado”, dizem em uníssono os especialistas.

Questionado pelo i, o Ministério da Educação diz que apenas “tomou conhecimento da carta aberta das associações de professores após o momento em que a mesma foi tornada pública, tendo sido também rececionada pelo gabinete, na sexta-feira”. A tutela frisa ainda que “Luísa Ucha não teve qualquer envolvimento na redação da carta em questão”.

O envolvimento de Luísa Ucha na carta

A denúncia do envolvimento de Luísa Ucha na carta aberta, assinada por 14 associações de professores, surgiu no blogue de Paulo Guinote “O meu quintal”.

A carta foi enviada às redações depois de o i ter noticiado que o primeiro-ministro travou a reforma curricular no próximo ano letivo por causa das eleições autárquicas e que António Costa deu garantias ao Presidente da República que esta flexibilização curricular – trabalhada por João Costa há mais de um ano — não iria avançar em setembro. Nos últimos dias foram também vários os pareceres de entidades educativas – Conselho de Escolas e Sociedade Portuguesa de Matemática, por exemplo – que teceram duras críticas à indefinição e às medidas previstas pelo Ministério da Educação.

Nas propriedades do documento da carta surge como autor do documento a adjunta Luísa Ucha, mas chegou às redações assinada pela presidente da APG, Emília Lemos.

Segundo a representante dos professores de geografia, a ideia da carta surgiu de conversas com outras três associações: a dos professores de Espanhol, de Educação Musical e de Educação Visual e Tecnológica (EVT).

Questionado, o presidente da associação de professores de EVT, Carlos Gomes, contou ao i o processo da elaboração da carta, garantindo que as associações “não tinham conhecimento da origem do documento inicial”. As notícias que agora ligam Luísa Ucha à iniciativa estão a gerar “desconforto” entre os representantes dos professores porque “põem em causa a idoneidade das associações” que estão a conversar para agendar uma reunião para clarificar a situação.

Carlos Gomes diz ainda que a carta inicial chegou às restantes associações pela via da APG e que o conteúdo inicial “era muito diferente da versão final”, tendo sido, por isso, “bastante alterado” com contributos das associações.

Ao i, a presidente da APG, Emília Lemos, justifica a indicação de Luísa Ucha como autora da carta devido ao documento do Perfil do Aluno, do qual a adjunta de João Costa foi uma das co-autoras. Emília Lemos diz que a carta “foi trabalhada várias vezes em cima do documento do Perfil do Aluno com contributos de todas as associações”. Questionada sobre o porquê de então se manter o nome de Luísa Ucha no documento, após ter sido trabalhado por várias pessoas, Emília Lemos diz apenas que “é estranho” e que não sabe explicar porque razão surge o nome de Luísa Ucha, frisando que a adjunta “nunca soube nem da carta nem do seu conteúdo”. A presidente da APG salienta ainda que “estamos tão inocentes nisto que se tivéssemos algum interesse por trás teríamos tido algum cuidado para que isto não acontecesse”.

Emília Lemos recusa ainda a ideia de que a carta é um “documento de apoio” ao governo e sim uma carta onde estão as “preocupações com a Educação” com chamadas de atenção para “a necessidade urgente de atualizar os programas” das disciplinas sendo que “alguns são dos anos 90”. Na carta lê-se que as associações signatárias “manifestam o seu apoio às iniciativas, promovidas pelo Ministério da Educação, de repensarmos entre todos o lugar e o papel da educação e da escola, nomeadamente da escola pública, pilar fundamental para a integração social e a equidade em convivência democrática”.