Novas escutas provam forma criminosa como CGD era gerida

Conversas telefónicas entre vários arguidos na Operação Marquês mostram a influência que Sócrates tinha na Caixa Geral de Depósitos – e que esta era usada para operações ruinosas pelos políticos no poder.

Novas escutas provam forma criminosa como CGD era gerida

Escutas extraídas do processo Face Oculta mostram a forma arbitrária como era gerida a CGD e a influência de José Sócrates nas decisões. O ex-primeiro-ministro afirmou em interrogatório – e depois aos jornalistas – que não dava quaisquer orientações à administração da Caixa Geral de Depósitos. «Não faço a mínima ideia dos negócios da CGD e estou a sabê-lo agora», chegou a dizer. Mas as novas escutas provam precisamente o contrário. O Ministério Público pensa mesmo que havia um ‘comportamento-padrão’ do primeiro-ministro em todos os negócios que envolviam a Caixa – fosse a PT, Vale do Lobo, ou outro. 

No interrogatório a que José Sócrates foi esta semana submetido, o MP usou a título de exemplo uma escuta telefónica extraída do processo Face Oculta.

Na escuta em questão, registada a 14 de julho de 2009, Vara diz ao secretário de Estado Laurentino Dias que «o chefe [Sócrates] deve dar um conforto, porque sabe o peso que isso tem do outro lado de lá [na Caixa], ou então o ministro das Finanças». E adiante concretizava que deveria ser «o gabinete do primeiro-ministro ou até o próprio primeiro a dizer ao Bandeira para meter lá os 10 milhões». A conversa dizia respeito ao Autódromo do Algarve e, segundo o MP, mostra que as intervenções de Sócrates junto da Caixa eram consideradas ‘normais’.

Sócrates muito irritado no interrogatório

De acordo com relatos das seis horas de interrogatório, Sócrates reagiu de forma bastante intempestiva à apresentação das escutas retiradas do processo Face Oculta, tendo declarado aos jornalistas, à saída: «Fiquei espantadíssimo porque o Ministério Público não foi capaz de apresentar nada, a não ser uma escuta aqui, uma escuta ali, como se isso pudesse servir de base a qualquer sustentação». 

Mas o SOL apurou que as novas escutas servem igualmente de prova da intervenção de José Sócrates no negócio ruinoso de Vale do Lobo e nos quatro negócios que envolvem a PT e que só puderam ser concretizados em resultado de decisões políticas e empresariais polémicas: a OPA da Sonae, a autonomização (spin off) da PT Multimédia, a venda da Vivo e a compra da Oi. 

Através do ‘conforto político’ que Sócrates, no entender do MP, terá dado a estas operações que levaram ao colapso da telefónica portuguesa resultou o pagamento de luvas para o ex-governante no total de 29 milhões de euros. A que se somarão 1 milhão de Vale do Lobo (onde as perdas para a Caixa terão rondado os 300 milhões de euros) e 2,8 milhões do Grupo Lena, num total de 32,8 milhões.

Quanto a Vara, representante da CGD na PT, terá ganho 1 milhão pela participação nas operações da telefónica, onde deverá também ser acusado de um crime de corrupção passiva, e outro milhão pela intervenção no financiamento de Vale do Lobo. 

A respeito deste último, também há mais escutas do processo Face Oculta entre Vara, Santos Silva e o próprio Diogo Gaspar Ferreira, em que não se fala do negócio mas que servem para demonstrar o relacionamento entre o trio.

O ruinoso autódromo do Algarve

A escuta relacionada com a injeção de capitais públicos no Autódromo do Algarve, entre Armando Vara (então vice-presidente do Millennium/BCP e anterior administrador da CGD) e o secretário de Estado que tutelava o Desporto, Laurentino Dias, relacionava-se com o sufoco financeiro que a Parkalgar, proprietária do recinto, estava a atravessar, carecendo de uma urgente injeção de capital.

Vara explicava que, se necessário fosse, o primeiro-ministro poderia intervir junto da administração da Caixa no sentido de garantir o financiamento do Autódromo, apesar da consciência de que o projeto não seria viável e o dinheiro seria irrecuperável. 

E informava Laurentino Dias que houvera uma conversa com o vice-presidente da CGD, Francisco Bandeira, em que ficara estabelecida «uma estratégia» para o Autódromo, «que passa pelo financiamento de 10+10 milhões». 

O secretário de Estado respondia que estava a par. 

O outro acrescentava: «Não há razão nenhuma para a Caixa não meter lá os 10 milhões, a não ser por birra do Bandeira».

 Laurentino Dias adiantava: «De cima, pediram ao Pina [Carlos Costa Pina, secretário de Estado do Tesouro e Finanças], que ligou ao Francisco Bandeira. Este disse que ia falar com o homem lá de baixo, faziam uma reunião e depois decidiam».

 Na véspera dessa reunião «estava tudo bem encaminhado». 

Conhecedor da instituição, Vara presumiu que os ‘de baixo’ «devem ter sido os gajos do risco» [Direção de Riscos de Crédito da CGD], acrescentando que, no dia anterior, tinham dito a Bandeira que a CGD «podia dizer não, mas tinham 15 milhões e iam perdê-los».

Mais dinheiro do Estado envolvido

Foi nesse momento que Vara defendeu a necessidade de alguém dar um toque ao presidente do banco público e a Bandeira, especificando que devia ser «do gabinete do primeiro-ministro ou até o próprio primeiro a dizer ao Bandeira para meter lá os 10 milhões».

Vara, no entanto, não tinha ilusões: «O projeto, do ponto de vista económico, é irracional, mas está feito e um dia qualquer o Estado nacionaliza aquilo, que é a solução». Esclarecia que o BCP, do qual era vice-presidente e que era o principal credor do Autódromo, tinha lá «27 ou 30 milhões, não tem assim tanto mais do que a Caixa», acrescentando que a CGD não se devia ter metido no assunto, tendo-o feito erradamente, devido a pressões: «Aquilo será sempre um sorvedouro de massa enquanto estiver privado. O Estado diz que são assuntos privados. A partir do momento em que está lá o banco do Estado é que já é uma chatice». Esta conversa é bem reveladora do modo como a CGD era gerida. 

Laurentino Dias dizia ainda na mesma conversa que a AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) e o Turismo podiam pôr mais algum dinheiro no empreendimento, ao que Vara explicava que «a razão para se meterem naquilo é porque há uma série de empresas à beira da falência», insistindo para que o secretário de Estado dissesse «a quem de direito para aprovarem aquilo, pois no prazo de um ano encontram uma solução para porem lá mais capital público, porque aquilo só vai lá com um aumento de capital sem preocupações de retorno».

A AICEP Capital Global e a TC – Turismo Capital (do Turismo de Portugal) entraram de facto nesse ano no capital social da Parkalgar. 
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Vara admitia que o Autódromodo Algarve eraum buraco mas pressionava para a CGD o financiar