Carlos Encarnação. Passos “é um obstáculo a que o PSD se revitalize”

Ex-dirigente social-democrata arrasa as escolhas da direção do partido para as eleições autárquicas e critica Passos Coelho por insistir num discurso “gasto e caduco”

Carlos Encarnação fala das escolhas do PSD para as principais câmaras do país e lamenta que a direção do partido não esteja a conseguir mobilizar os sociais–democratas para as autárquicas. O ex-deputado e ex-presidente da Câmara de Coimbra defende que Passos Coelho devia abdicar da liderança porque “é um obstáculo a que o PSD se reorganize, se revitalize e se consiga afirmar”. O ex-dirigente social-democrata garante que o partido tem “muita gente com categoria e qualidades” para cumprir um novo ciclo. 

O PSD já tem candidato em Lisboa e no Porto às eleições autárquicas. As escolhas do presidente do partido não estão a ser bem aceites em alguns setores do PSD. Como tem visto este processo? 

O que eu acho é que, quando um partido está na oposição e quer verdadeiramente romper com a situação e afirmar-se, utiliza as autárquicas como um instrumento importante de realização política. E, para isso, em devido tempo prepara as eleições como deve ser, escolhe bem as candidaturas e faz das autárquicas um movimento de grande afirmação e conquista política. É assim que deve ser feito para se fazer bem. Infelizmente, não vi nada disso. O que acontece é que o PSD deixou arrastar-se pelas circunstâncias e acaba por ficar com aquilo que sobra para apresentar como candidato. 

Julga que esta situação está relacionada com o estilo do líder?

Se é um estilo, é um mau estilo.

Passos Coelho chegou a dizer “que se lixem as eleições”. Julga que desvalorizou estas eleições?

Ele não se cansa de dizer que ganhou as eleições gerais. Eu não o tenho como pessoa que gosta de perder eleições. 

Qual a explicação que encontra para o PSD estar pouco mobilizado e para que apareçam candidatos que são considerados fracos dentro do próprio partido?

O PSD é um partido importante no poder local, um partido que tem tido resultados muito interessantes. Nesta altura, a situação está muitíssimo complexa. Lisboa e Porto são essenciais para o panorama geral e para a aferição do que um partido pode ou não pode fazer e, na verdade, no Porto e em Lisboa, as coisas correram muitíssimo mal. Muitíssimo mal.

No caso de Lisboa, a candidata é Teresa Leal Coelho. É vice-presidente do partido e uma pessoa da confiança do presidente do PSD. Não é uma boa escolha, como disse Passos Coelho?

Eu tenho muitas pessoas de confiança e nem sempre as escolho para as coisas. Foi assim durante toda a minha vida. A pessoa pode ter muita confiança na outra e ela não cumprir os requisitos para disputar uma eleição. O PSD não pode apresentar um candidato para disputar o segundo ou o terceiro lugar. O partido devia ter um candidato para ganhar. É essa tradição do PSD. Eu não vejo volta a dar em relação a isso. O candidato foi mal escolhido. O candidato não cumpre os requisitos para lutar pela vitória em Lisboa. Ponto final. 

Não tem dúvidas de que o PSD não conseguirá vencer Fernando Medina em Lisboa com esta escolha?

As pessoas podem tentar dourar a pílula, mas essa é a verdade nua e crua. Ainda ontem [domingo], o dr. Marques Mendes dizia, e com razão, que o PSD não pode concorrer para o segundo lugar em Lisboa.

Santana Lopes recusou ser candidato e não terá sido o único. Qual é a justificação para o partido não ter conseguido encontrar um candidato mais forte?

Quando um partido não prepara devidamente umas eleições com a importância destas, quando não faz uma escolha atempada e criteriosa, não consegue mobilizar as pessoas. Não consegue convencê-las a candidatarem-se. E quando isso acontece, alguma coisa está mal. Foi isso que se verificou. Julgo que houve um conjunto de pessoas que tinham possibilidade de ter sucesso e que entenderam não aceitar porque manifestamente não tinham condições. Digo–lhe com franqueza: acho que é uma coisa triste e lamentável.

Prevê que o PSD tenha, a nível nacional, um mau resultado nas autárquicas?

O PSD arrisca-se a ter um resultado fraco numa altura em que a única possibilidade de se afirmar, nos tempos mais próximos, é nas eleições autárquicas. É lamentável que assim não se tenha entendido e que tudo se tenha passado desta forma. Acho que é mesmo uma vergonha para o partido. 

O PSD tem um congresso uns meses a seguir às autárquicas. Se o resultado for mau, terá consequências, ou seja, poderá colocar em causa a liderança de Passos Coelho? 

Evidentemente que isto pode significar alguma coisa em termos nacionais. Se o PSD enfraquece… O problema do PSD, nesta altura, é que um líder que está nestas condições não pode deixar de compreender que a única coisa que tem a fazer, para bem de todos, é pedir uma licença sabática e compreender que ele é um obstáculo. 

Um obstáculo em que sentido?

É um obstáculo a que o PSD se reorganize, se revitalize e se consiga afirmar. Se ele não quer sair e as pessoas não o querem afrontar, o problema nunca mais se resolve. 

Julga que as sondagens, que colocam o PSD com menos de 30%, são também um sinal preocupante?

Como é que as sondagens poderiam dar outra coisa que não fossem sinais preocupantes? 

Não há solução sem uma mudança de liderança…

O que digo é que o líder de um partido deve perceber os sinais e compreender o que se está a passar. E, portanto, sendo ele um obstáculo, deve ser ele a proporcionar outra solução. 

Quais são os grandes problemas que identifica no PSD e que podem levar a um afastamento dos eleitores?

O partido, nesta altura, tem um discurso velho, gasto e caduco. Identifica-se com um passado que foi um passado dramático para os portugueses. Pode pensar-se a salvação do país em termos equivalentes sem ter um discurso daqueles. É possível apresentar outro discurso. Essa é a primeira questão. A segunda questão é que a mesma pessoa a dizer a mesma coisa, da mesma maneira, como se fosse um cangalheiro a tentar salvar o país com o discurso de um cangalheiro, evidentemente que nunca dá resultado. As pessoas não são mobilizáveis dessa maneira. Pode falar muito bem, mas não é assim que se resolvem as questões. 

Existem, nesta altura, alternativas a Passos Coelho?

O PSD tem muita gente com categoria e com qualidades. O PSD não é um deserto e cabe ao líder interpretar isso. O líder não pode olhar para a sala onde está e descobrir só três ou quatro pessoas que, por acaso, são aquelas com quem ele se dá e que servem para tudo. Ou que, mesmo não servindo, ele acha que servem.