França. Macron, vencedor da resignação

O primeiro debate presidencial francês deixou as coisas praticamente iguais. Emmanuel Macron saiu por cima e segura o favoritismo para o Eliseu. Le Pen foi atacada de todos os lados e largou a imagem “suave”

O primeiro debate das eleições presidenciais francesas abriu um novo capítulo na corrida mais surpreendente – e consequente – da v República, mas nenhum dos cinco candidatos se afastou do guião que há muito lhes foi atribuído. Os olhos voltaram-se para o favorito e principiante Emmanuel Macron, que por estes dias disputa a liderança das sondagens com a segunda figura da noite, Marine Le Pen, e se, ao início, o antigo ministro da Economia pareceu hesitante, no decorrer do debate soltou-se, puxou dos galões do centrista menos comprometido, defendeu a integração europeia e lançou-se a Le Pen, a sua verdadeira rival na noite de segunda, acusando-a de “distorcer a verdade”, “dividir a sociedade” e “mentir”. Saiu no topo, de acordo com as sondagens, como, aliás, tem acontecido nas últimas semanas, capitalizando sobre os problemas judiciais do centro-direita e as propostas mais ou menos radicais dos adversários. Vinte e nove por cento dos franceses ficaram agradados com a sua prestação, reforçando-lhe o estatuto de favorito, uma vez que Le Pen conseguiu apenas 19% destes votos. Em segundo ficou o inelegível Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda, com 20%.

Macron venceu novamente o concurso dos resignados. Não seria ele o favorito caso François Fillon não se tivesse enquistado como cabeça-de-lista do centro-direita, forçando a mão d’Os Republicanos quando o partido decidiu procurar um novo candidato, ao tornar-se evidente que o que tinha seria indiciado – e foi, entretanto – pelo pagamento de dezenas de milhares de euros em fundos públicos à mulher e filhos, por trabalhos que eles parecem nunca ter desempenhado. O homem d’Os Republicanos até teve uma noite relativamente calma, uma vez que nenhum dos quatro adversários pareceu ter interesse em atacá-lo pelo escândalo familiar – deixou de ser uma ameaça nas sondagens, onde navega abaixo dos 20%, o que, a um mês da primeira ronda eleitoral, praticamente o condena à derrota.

Se é verdade que Macron não estaria no topo sem a queda de Fillon, ontem argumentava-se consensualmente que também não seria o vencedor do primeiro debate se não fosse pela composição do palco. Le Pen, escrevia ontem o “Le Monde”, manchou a imagem “suave que procurou construir ao longo dos últimos meses”. A sua “arrogância”, escreve-se, foi evidente, acima de tudo quando apontou o dedo a Macron, dizendo que defendia secretamente a utilização do burquíni. Le Pen, em todo o caso, defendeu contra tudo e contra todos o que já lhe é conhecido: um combate contra a “imigração legal ou ilegal”, as instituições europeias e as forças do “multiculturalismo”, titubeando, contudo, nas suas promessas económicas fora do euro e da UE.

Benoît Hamon, de resto, imagem do ultraimpopular Partido Socialista, representou sem grandes sobressaltos a escolha socialista e ecologista, evitando entrar em guerra com Mélenchon sobre quem representa verdadeiramente a esquerda francesa. Fillon falou sobriamente sobre a sua escolha conservadora, nostálgica e reformista, admitindo ter “cometido alguns erros” – “como toda a gente”, disse também. E Mélenchon, cara de outra rutura radical, transformou-se na noite de segunda-feira não só no orador mais competente e empático, mas também no comentador sardónico de um debate em que, mais do que em qualquer outro momento na v República, os franceses viram na frente escolhas mais-que-imperfeitas – a figura da extrema-esquerda disse admirar, por exemplo, o “recatamento de gazela” dos adversários acerca dos seus próprios problemas legais.

“Ao que parece, temos um empate: por isso, é bom para Macron”, argumentava ontem o jornal “Libération”. “Ninguém colapsou, ninguém marcou pontos decisivos. Nesta discussão equilibrada, o neófito que virou favorito aguentou o choque. Provavelmente aguentá-lo-á daqui para a frente”, escrevia ainda o diário, orientado à esquerda e menos severo na avaliação dos candidatos do que outros como, por exemplo, o “Le Monde”, para quem o combate político deixou pouco espaço para avaliar a “máquina das propostas mirabolantes e dispendiosas” – é “bar aberto para o Eliseu”, escrevia ontem o diário francês em editorial. “O debate de segunda-feira foi mais frustrante do que convincente”, argumentava. “Passadas semanas de revelações sobre as violações da lei de Fillon e Le Pen, é em todo o caso singular que a questão da probidade tenha sido tão modestamente exorcizada. Os franceses podem legitimamente sentir que todos preferiram varrer o lixo para debaixo do tapete.”

“Os partidos do sistema deixaram de estar à altura do desafio”