Robert Sherman: O tanque feliz

“É mais português do que muitos portugueses”, é a frase com que um jovem colaborador o descreve. Robert A. Sherman serviu três anos como embaixador norte-americano em Lisboa. Quando Portugal ganhou o Euro, celebrou de cachecol em riste. O diplomata deixará saudades? 

O cartão não tinha um vinco ou uma dobra, apesar de já ultrapassar os dois anos desde que Robert A. Sherman o assinara. O estudante que o mostra, hoje a terminar um mestrado, mantém um misto de orgulho em mostrá-lo com alguma hesitação em largá-lo. É um jovem português que estagiou na embaixada norte-americana, em Sete Rios, Lisboa. A nota, assinada pelo máximo representante dos Estados Unidos da América em Portugal, agradece “todo o empenho” demonstrado pelo estagiário, que “fará sempre parte da família” da embaixada norte-americana. No fim, “tudo de bom” – ou “all the best” -, de Robert Sherman.

O antigo estagiário do complexo de Sete Rios conta que a embaixada é todo um outro mundo que não está à vista. Bonés de beisebol, pontos de segurança intermináveis e até um McDonald’s. Sabe que não foi o único colaborador temporário do corpo diplomático de Sherman a receber uma nota de despedida com dedicatória. Sabe que o embaixador é conhecido por esse tipo de gestos. O cartão, ainda sem vincos, é-lhe devolvido, regressando de pronto ao bolso interior do sobretudo. “É um grande homem, mais português que muitos portugueses”, sorri. 

Com o fim da administração Obama e do Partido Democrata, Sherman será substituído, depois de três anos em Portugal. O diplomata afirmou, em jeito de despedida, que se tratou de uma “profunda honra” servir como embaixador americano “neste grande país”. Donald Trump mandou chamar todos os embaixadores nomeados por Barack Obama assim que tomou posse como seu sucessor. Sherman não foi exceção. Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem Infante Dom Henrique. As prioridades do norte-americano passavam por uma saudável relação e pela ideia de “aliar a inovação portuguesa ao capital americano”. 

O diplomata tornou-se figura de destaque nacional perante uma autêntica conversão ao país que o acolheu. Durante o Campeonato Europeu de Futebol, no ano passado, gravou vários vídeos de apoio à equipa das cinco quinas, pintando inclusivamente o rosto com as cores da bandeira portuguesa. Aos 62 anos, mantém a jovialidade. A mulher, Kim, com menos 12, acompanha-o no espírito empreendedor, tendo lançado eventos de solidariedade enquanto embaixatriz. Ambos não escondem o carinho pelas terras lusas. Foi Sherman, aliás, que pediu ao então presidente Barack Obama para se estrear como embaixador em Lisboa. Sucedeu a Allan J. Katz, também nomeado por Obama, após confirmação senatorial. 

Antes disso, Sherman exerceu advocacia na sua cidade natal, Boston, onde desde adolescente teve contacto com a comunidade portuguesa aí imigrada. Foi advogado durante 35 anos no setor privado, sendo sócio-fundador de uma das mais conhecidas firmas de advogados dos Estados Unidos da América, a Greenberg Traurig. A Traurig foi uma das maiores doadoras de campanha para os dois mandatos presidenciais de Barack Obama. Robert Sherman é militante democrata de longa data. 

Entre 1991 e 1993 foi procurador-geral assistente do Estado de Massachusetts e conselheiro do procurador-geral para os assuntos de defesa do consumidor. Licenciou-se em Ciência Política e doutorou-se em Direito. Em 2013, foi nomeado para o conselho do memorial do Holocausto dos Estados Unidos. É ativista de causas relacionadas com epilepsia, violência doméstica e abusos sexuais na Igreja Católica. 

“Como advogado, estou treinado para resolver problemas ouvindo atentamente os interesses da outra parte, defendendo solidamente os interesses do meu cliente e buscando soluções que sirvam ambos os lados. É exatamente isso que um embaixador deve ser”, disse ao tomar posse como 25.o embaixador americano em Portugal. O primeiro diplomata dos EUA chegou ao país em 1791. 

Sérgio Azevedo, deputado da Assembleia da República que privou de perto com o agora ex-embaixador, descreveu-o como “uma extraordinária pessoa e um extraordinário diplomata consciente dos desafios, preocupações e anseios de Portugal e da Europa”. “Procurou na sua passagem, mais do que criar afetos e estreitar as relações bilaterais, promover entendimentos e criar oportunidades”, afirmou o parlamentar português ao b,i. 

Na II Guerra Mundial, os soldados norte-americanos sentiam um carinho especial pelos Sherman – não como apelido, mas como referência ao modelo do tanque que, muitas vezes, vinha salvar o dia. Gritar “Shermans” era sinónimo de alegria. Durante o mandato de Robert A. Sherman em Portugal, também Portugal teve um tanque feliz.