Democracia cristã. Por uma política “patriótica e de direita”

Cansados do pragmatismo sem valores que acham que tomou conta do CDS, vão constituir-se em corrente interna. Não são oposição a Cristas, mas admitem chegar ao poder “pelas bases”

O CDS vai ter pela primeira vez uma tendência interna oficial. Chama-se ‘Tendência Esperança em Movimento’ (TEM) e define-se como uma corrente para recuperar os valores da democracia cristã. Os seus cinco membros fundadores garantem que não estão contra Assunção Cristas, mas admitem que querem influenciar o partido e que, para o fazerem, podem ter de chegar ao poder “a partir das bases”.

O sexólogo Abel Matos Santos, o professor de Ética Luís Graça, o engenheiro agrónomo Lopo de Carvalho, o advogado Francisco Alvim e o economista Bernardo Sacadura não têm “vergonha” de assumir que querem “uma política patriótica e de direita”, não confessional mas assente nos princípios da democracia cristã para dar voz “aos simples”.

ganhar novos militantes

Foi com esta ideia que em outubro do ano passado redigiram uma declaração de princípios políticos que têm andado a mostrar pelo país. A ronda, garantem, tem valido a adesão até de não militantes do CDS e já lhes permite apresentar as 600 assinaturas exigidas pelos estatutos para se constituírem formalmente como uma corrente de opinião dentro do partido.

“Uma das nossas características até agora tem sido filiar pessoas no CDS e trazer pessoas que passam a interessar-se pela política através da tendência”, explica Lopo de Carvalho, que acha que o ideal da democracia cristã, com uma forte vertente de preocupação social, tem argumentos suficientes para ir buscar quem está desinteressado da política.

“Infelizmente, os partidos de centro-direita e de direita afastaram-se deste discurso. Abdicaram de falar para os trabalhadores, para os simples”, aponta Lopo de Carvalho, que explica assim os elevados níveis de abstenção.

“Os primeiros sindicatos do mundo foram democratas-cristãos”, nota Luís Graça, num apontamento que serve para ilustrar o que este grupo acha ser um afastamento do CDS dos seus ideais que lhe custou representatividade eleitoral. “É preciso lembrar que a seguir ao 25 de Abril, o CDS conquistou 45 câmaras”, frisa Luís Graça, que já foi dirigente sindical na CP e que é o único do grupo que se assume como de centro.

Defensores de uma economia de mercado liberal e da liberdade de iniciativa e de escolha – por exemplo, na Educação – dizem-se muito longe do liberalismo que lamentam ter-se tornado na corrente de opinião dominante do CDS.

“Não temos vergonha de dizer que somos de direita, de modo nenhum”, afirma Abel Matos Santos, que quer contrapor à política patriótica e de esquerda do PCP, um discurso de direita sem medos de discutir a saída do euro ou de refletir sobre a necessidade de defender a soberania através da manutenção de setores estratégicos.

sem tabus

“Nós temos essa visão e esse discurso de uma política patriótica e de direita”, garante Matos Santos, explicando que a TEM está a preparar uma conferência para “pensar a Europa” sem complexos.

“Mais importante do que dizermos se saímos ou ficamos no euro, o que é fundamental para um país que quer ser soberano é ter planos de contingência. Ficando ou saindo, temos de ter isso pensado. Não pode ser um tabu”, argumenta.

Outra área em que este grupo não tem tabus é na agenda de costumes. Assumidamente contra o politicamente correto, o grupo afirma não estar de acordo com a eutanásia, o aborto ou a adoção gay.

“A política não pode ser uma coisa sem valores, de navegar à vista”, diz Abel Matos Santos. “A democracia cristã, assente em valores, permite fazer o contrapeso ao pragmatismo”, frisa Francisco Alvim, que acha que o país está refém de um certo “marxismo cultural” e que há receio de fazer um discurso contra a corrente.

“Isto é fresco”, analisa Bernardo Sacadura, que acha essa frescura do discurso democrata cristão vai apelar aos mais jovens. Para já, funcionou com Lopo de Carvalho: “A democracia cristã é tremendamente sedutora. Eu conhecia-a recentemente e não tive como não aderir”.

Não ao extremismo

“O discurso politicamente redondo não tem servido às pessoas. Sentimos isso nas bases”, comenta Lopo de Carvalho, lembrando que em toda a Europa os partidos mainstream estão em crise por causa do afastamento dos eleitores do discurso dos partidos do poder.

Apesar disso, Lopo de Carvalho assegura que a TEM não se quer aproximar de partidos como o UKIP ou de políticos como Geert Wilders ou Marine Le Pen: “Todos esses discursos têm sido um bocado extremistas. E nós não somos extremistas, somos democratas cristãos”.

Abel Matos Santos define a TEM como uma corrente de “humanismo personalista de inspiração cristã”, mas o grupo garante não querer transformar o CDS num partido confessional e revela até ter muçulmanos, protestantes, agnósticos e ateus entre os aderentes. “Não queremos nem um partido confessional nem um Estado confessional”, vinca Francisco Alvim.

A “Esperança em Movimento” já tem elementos de norte a sul e nos próximos tempos o grupo promete continuar na estrada para angariar mais apoios. A iniciativa mais visível acontece este sábado numa conferência em Lisboa com Adriano Moreira, Ribeiro e Castro e Manuel Monteiro, mas estão a ser preparados mais debates para falar de democracia cristã.

 

Não ser anti-cristas Depois de entregarem as 600 assinaturas que já recolheram, passarão a ter direito a lugares na Comissão Política Nacional e no Conselho Nacional do CDS e a ser ouvidos por Assunção Cristas. Para já, é isso que querem. “Não somos esse rosto ou essa equipa anti-Assunção Cristas”, esclarece Lopo de Carvalho.

As coisas podem, contudo, mudar. “Para as pessoas votarem em nós o partido tem de pensar como nós. Temos de ser poder e nós queremos chegar ao poder de baixo para cima. Queremos ter concelhias e distritais e eventualmente influenciar a escolha do líder”, admite Abel Matos Santos, que não exclui nada. “Não estamos contra ninguém. Mas se tivermos de ir para o combate político em congresso, vamos”, avisa.