Montepio. Associados têm 3500 milhões investidos em produtos de risco

As contas são de Eugénio Rosa, vogal do conselho geral e de supervisão do Montepio. Estes produtos, ao contrário dos depósitos a prazo tradicionais, não beneficiam do fundo de garantia e, como tal, em caso de falência os clientes têm de ser reembolsados pelas reservas da associação. Mas há o risco destas não existirem

Estão investidos 3500 milhões de euros em produtos de investimento na Associação Mutualista do Montepio junto dos mais de 630 mil associados, garantiu ao i o economista Eugénio Rosa que é vogal do conselho geral e de supervisão do Montepio e que também concorreu à liderança da associação em 2015. Um valor que está próximo das perdas do Banco Espírito Santo (BES), consideradas as maiores de sempre na história empresarial portuguesa. Um valor de 3600 milhões de euros e que conduziu à resolução da instituição financeira, dando origem ao banco bom e ao banco mau.

Grande parte desse investimento está canalizado em produtos mutualistas que não estão salvaguardados pelo Fundo de Garantia – que protege aplicações até 100 mil euros por depositante – e outra parte em produtos de capitalização. Isto significa que em caso de falência da associação esses investimentos estarão seguros apenas pelas reservas da associação. E aí é que começam os problemas, confessa Eugénio Rosa. “O papel do Ministério do Trabalho e da Segurança Social é controlar este investimento de 3500 milhões de euros e ver como é que esse valor está a ser aplicado. O problema da Associação Mutualista não é ter reservas, é saber como é que elas estão a ser aplicadas. Se estiverem a mal aplicadas pode haver um dia em que não há reservas nem o capital investido para os mutualistas. Além disso é preciso também que essas reservas deem rendimento e grande parte delas não está a dar”, revela ao i.

E o cenário otimista do presidente da Associação Mutualista não convence o economista. Tomás Correia já veio garantir que, mesmo com a quebra dos capitais próprios, a associação garante que tem solidez financeira para fazer face às responsabilidades, nomeadamente perante os mutualistas. Ainda assim, houve uma quebra no rácio de cobertura, que passou de 1,17 para 1,052, em ambos os casos cobrindo a totalidade das responsabilidades.

O certo é que o governador do Banco de Portugal disse recentemente que o banco “está a dar passos sérios no sentido de se transformar num pilar financeiro do terceiro setor” mas, quando confrontado com a questão de os produtos da associação mutualista serem vendidos aos balcões da Caixa Económica, disse apenas: “Os produtos não são supervisionados por nós.”

Mudar de tutela é urgente

Eugénio Rosa aponta ainda o dedo à intervenção do Ministério do Trabalho e da Segurança Social nesta matéria. O economista, juntamente com outros associados do Montepio, pediu várias vezes reuniões com o ex-ministro da pasta, Mota Soares, mas nunca tiveram sucesso. O pedido voltou a ser feito com Vieira da Silva que os recebeu um ano após a solicitação.

“Tomás Correia durante mais de um ano andou a recusar-se a disponibilizar as contas consolidadas da associação. É preciso ter acesso às contas consolidadas para que os associados tenham uma ideia verdadeira da situação da associação mutualista porque esta tem as suas poupanças canalizadas em várias empresas e só agora com muita pressão é que cedeu e disponibilizou as contas consolidadas de 2015. Mas falta ainda saber a situação de 2016 e acredito que ainda deve ser pior. A lei obriga essa divulgação, mas a tutela nunca se impôs”, crítica o responsável.

Essa ausência de controlo fez com que, no entender de Eugénio Rosa, a Associação Mutualista tenha andado a funcionar em autogestão e sem controlo interno. E explica: “Dos 23 membros cerca de 18 foram nomeados por Tomás Correia e, por isso, ninguém controla nem faz perguntas”.

De acordo com Eugénio Rosa, se tivesse existido uma maior intervenção por parte da tutela “não se teria chegado a esta situação”. “Mas em Portugal como sempre as soluções chegam tarde e a más horas. E até se chegar a uma situação ainda vai demorar muito tempo, como é habitual”, defendendo ainda um novo código mutualista porque o atual não obriga a ter órgãos de fiscalização efetivos.

Para o vogal do conselho geral e de supervisão do Montepio, a melhor solução é passar a supervisão para a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (antigo Instituto de Seguros de Portugal) porque este organismo tem meios e competência técnica para fazer o controlo de como são investidas as poupanças, além de ter regras mais rígidas. “Não permitem investir em empresas do grupo ou se permitem não pode ser mais do que uma percentagem para evitar correr esse tipo de riscos. Porque quanto mais diversificado for maior é a segurança”, salienta.

A verdade é que ainda esta semana o ministro Vieira da Silva admitiu que a mudança de tutela da dona do Montepio está a ser estudada. “Essa dimensão está a ser estudada pelo ministérios responsáveis e quando o governo tiver que tomar uma decisão tomará essa decisão, se for necessário haver alguma mudança”, garantiu o ministro. O governante fez ainda questão de reafirmar que a acontecer essa mudança de tutela “isso não altera em nada de substancial a relação que as pessoas têm” com a associação dona do Montepio.

Economistas preocupados

O i ouviu ainda a opinião dos economistas João Duque e Filipe Garcia em relação à questão financeira da Associação Mutualista. Os dois admitem que é necessário encontrar uma solução urgente para a dona do Montepio de forma a “terminar o mais rapidamente possível com a desconfiança que já existe junto dos associados”, considerando também que não faz sentido que seja o ministério de Vieira da Silva a supervisionar esta entidade.

“O que me arrepia é termos uma instituição como a associação mutualista que tem instrumentos financeiros que são colocados nos balcões do Montepio e são supervisionados pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social. Isso mete-me muita impressão”, confessa João Duque, lembrando que os investidores que têm as suas poupanças canalizadas na Associação Mutualista não beneficiam praticamente de nenhuma proteção. “Isso é espantoso e inaceitável. Tirem-me novamente deste filme”, alerta.

Ainda assim, o economista admite que a hipótese de mudar agora de tutela já parece ser uma medida tardia. “Vão mudar agora para fazerem melhor as contas às perdas?”, questiona.

Já para Filipe Garcia, a Associação Mutualista poderá ter problemas sérios de liquidez se existir uma desconfiança maior por parte dos mutualistas. “Ainda não houve uma séria corrida aos produtos porque muitos deles têm fortes perdas, incluindo de capital e, por isso mesmo, muitos dos investidores estão à espera do que vai acontecer ou simplesmente à espera que o prazo desses produtos termine daqui a um, dois ou três meses”. Mas se isso acontecer, o economista admite que “não sabe onde é que a associação vai buscar capital”.