Povos do sul. Preguiçosos, com excesso de licenciados e férias a mais

O presidente do Eurogrupo fez estalar o verniz ao apontar o dedo aos países do sul, que acabou por comparar quase a uma festa bunga bunga. No entanto, a ideia de divisão entre sul e norte da Europa não é nova

Os reparos ou ataques aos países do sul da Europa não são novos, ainda que continuassem a existir dúvidas de que se tratasse de uma questão de preconceito entre o norte e o sul do velho continente. Agora, esta polémica volta à luz do dia com Jeroen Dijsselbloem a marcar a agenda por ter declarado que os países do sul gastaram dinheiro em “copos e mulheres”.

Mas esta posição em relação a países como Portugal, Grécia ou Espanha não traz novidades para muitos que recordam críticas passadas. Em tempos, também Angela Merkel chegou a sugerir que os países do sul da Europa gozavam demasiadas férias. A chanceler alemã chegou mesmo a exigir a unificação da idade da reforma e, principalmente, dos períodos de férias. “Não se trata só de não contrair dívidas, em países como a Grécia, Espanha e Portugal as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha”, começou por dizer, para depois acabar com chave de ouro. “Todos temos de fazer um esforço, isso é importante, não podemos ter a mesmo moeda e uns terem muitas férias e outros poucas”, advertiu Merkel.

As declarações, feitas em 2011, acabaram por dividir opiniões e a oposição alemã chegou mesmo a criticar as declarações de Merkel sobre as férias e as reformas em Portugal. “A senhora Merkel aposta de novo no populismo e em agitar os ânimos, em vez de usar argumentos objetivos”, atiravam uns. Outros, por seu lado, apressaram-se a defender a posição da chanceler. Na altura, o porta voz adjunto, Christoph Steegmans, chegou mesmo a sublinhar que tinha sido decidido harmonizar os sistemas sociais na União Europeia.

A solução dada por Merkel? A chanceler alemã defendeu que, para além de contraírem dívidas, os país em questão deviam seguir o exemplo da Alemanha.

A polémica dos licenciados

Mais tarde, já em 2014, Angela Merkel voltou a comentar a realidade do sul da Europa, mas desta vez por causa do número de licenciados existentes quer em Portugal, quer em Espanha. Para a chanceler era evidente que se tratava de um facto que impedia que os países em questão valorizassem o ensino vocacional. Acima de tudo, para Merkel, o enfoque nos estudos universitários como um feito de topo da carreira devia mesmo ser contrariado.

Além disso, foram criticados os rankings da OCDE que comparam o nível de educação de cada país através do número de licenciados que tem: “É um absurdo, sabendo bem que muitos dos países que têm muitos licenciados também têm elevados níveis de desemprego jovem”.

Povos preguiçosos

Em 2013, Durão Barroso, então presidente da Comissão Europeia, criticava os “preconceitos” que estavam a emergir na Europa, afirmando que aqueles que pensavam que os povos do sul eram “preguiçosos”, estavam enganados e que, por exemplo, os portugueses eram “extremamente trabalhadores”.

Para Durão Barroso, um dos problemas que ganhava cada vez mais força era “a polarização” que ameaçava “tornar-se o resultado final da crise” e lamentou várias vezes “os preconceitos” que continuavam a emergir. Ainda que considerados “inaceitáveis”, a verdade é que, já nesta altura, ameaçavam dividir a Europa e delinear um risco entre norte e sul da Europa.

Segundo Durão Barroso, já aqui existia uma tendência, em alguns Estados-membros, de “simplificar” demasiado, enquanto os países da periferia, por um lado, consideravam que os problemas que tinham “não foram criados por si, mas por alguém, regra geral Berlim ou as instituições europeias ou o fundo monetário internacional”.

Por outro lado, existia ainda “a ideia, nos países do centro, ou nos países mais prósperos, de que houve alguma espécie de inabilidade dos povos da periferia ou do sul”. O que acabava por ser somado à crença de que alguns destes povos eram, “por definição, preguiçosos ou incompetentes”.

Durão Barroso sublinhava ainda que, embora fosse verdade que existiam diferentes níveis de produtividade e competitividade na Europa, “nem todos estes problemas” podiam ser apontados como consequência da falta de “qualidades dos povos ou das nações”.

Copos e mulheres

“Como social-democrata, atribuo uma importância excecional à solidariedade. Mas também há obrigações a cumprir. Não se pode gastar todo o dinheiro em copos e mulheres e, depois, pedir ajuda”. Esta foi a frase de Dijsselbloem, que se espalhou num abrir e fechar de olhos.

As reações não tardaram a chegar e houve mesmo quem comparasse a ideia à expressão já tão portuguesa “putas e vinho verde” ou a outras tantas que têm por base a mesma ideia: referem-se a pessoas que não gostam de trabalhar e preferem uma vida de festa.

Ainda que não se encontre a verdadeira origem da expressão, é possível encontrar músicas associadas à ideia ou alusões ao lema sexo, drogas e rock’n’roll. Um lema que chegou a ser confirmado por um estudo, também ele holandês, que referia que havia de facto uma relação entre quem ouvia música num volume mais alto, quem consumia droga e até quem não se protegia nas relações sexuais. A pesquisa foi divulgada em 2012 e foi realizada através de uma amostra composta por 944 estudantes com idades entre os 15 e os 25 anos.