Dívida: o elefante no meio da sala da geringonça

É a maior divergência entre governo, BE e PCP. Bloquistas e comunistas querem reestruturar a dívida, mas António Costa quer continuar a seguir as regras da Europa

A dívida pública continua a ser o tema que mais divide o governo dos parceiros à esquerda. O BE e PCP insistem na urgência de soluções para um problema que custa todos os anos oito mil milhões de euros só em juros, mas o PS não desiste de esperar por uma solução europeia para evitar ficar a falar sozinho em Bruxelas.

O tema é tão sensível que há meses que se arrasta o relatório final do grupo de trabalho que junta governo e BE para encontrar soluções para a sustentabilidade da dívida pública. A última data anunciada como final tinha sido o início de março, mas o mês vai quase no fim e não há ainda relatório final à vista.

Ontem, o assunto foi levado ao parlamento pelo PCP, que quer criar uma comissão eventual de avaliação do endividamento público e externo.

PCP prepara proposta

Para já, os comunistas anunciaram a apresentação de “uma proposta tripartida e integrada de renegociação da dívida, de libertação da submissão ao euro e de retoma do controlo público da banca”.

E deixaram alguns avisos sobre caminhos que consideram insuficientes. Paulo Sá chamou-lhes “micro soluções” e acha que nunca serão suficientes para lidar com um problema que está a estrangular a capacidade nacional de fazer investimento público e obriga Portugal a aceitar os constrangimentos das regras da zona euro.

Para já, o PCP acha curto o que o governo tem feito para reduzir o peso dos juros. “Substituir dívida mais cara – como a do FMI – por dívida mais barata pode ter um efeito imediato, mas a realidade mostra que as diminutas poupanças resultantes desta operação de gestão corrente da dívida são rapidamente anuladas por fatores que Portugal não controla, como a recente subida das taxas de juro”, defendeu Paulo Sá, que se pronunciou também contra algumas das ideias que têm sido debatidas à esquerda e não implicam uma rutura com a Europa.

“Outras micro soluções consideradas pelo governo, como a mutualização da dívida na zona euro, a redução das taxas de juro dos empréstimos junto da União Europeia, a fixação de condições de financiamento iguais para os estados-membros da zona euro ou o repatriamento dos juros pagos ao BCE são medidas que dependem da concordância as instituições da União Europeia, do BCE ou da zona euro”, avisou Paulo Sá, que acha que essas soluções acarretariam sempre um custo elevado. “Mesmo que fossem aprovadas, estas micro soluções viriam sempre acompanhadas de imposições inaceitáveis, semelhantes às do Pacto da Troika ou às aplicadas à Grécia”, considerou o deputado comunista.

Evitando antecipar as soluções que poderão vir a fazer parte do relatório final do grupo de trabalho da dívida, Mariana Mortágua alinhou no diagnóstico de que é urgente fazer alguma coisa que não passe por continuar simplesmente a pagar uma dívida que o BE defende ser insustentável.

“Portugal só se endivida para pagar juros da dívida”, acusou a deputada do BE, Mariana Mortágua, que frisou que há “uma pressão particular sobre Portugal”, porque o BCE está a esgotar a quota de compra de dívida portuguesa. “Não porque o BCE tenha comprado mais dívida portuguesa, mas porque o empréstimo ao FMI conta para esta quota”, sustentou Mortágua, que considerou urgente o debate sobre a dívida.

“Todos os anos há um SNS inteiro que vai diretamente para o pagamento dos juros da dívida e para o exterior”, notou, lembrando que o país está a pagar oito mil milhões de euros todos os anos em juros, suportando “juros da dívida pública dos mais altos da Europa”.

“Uma atitude responsável é procurar soluções para o país”, defendeu a deputada do BE, assegurando que o seu partido propõe uma reestruturação que “salvaguarde os pequenos aforradores”, mas não os grandes especuladores.

A receita do governo

Com a direita a acusar a irresponsabilidade de levantar um tema tão sensível, o secretário de Estado do Tesouro Álvaro Novo limitou-se a defender que a discussão da dívida só pode ser feita no seio da Europa e que a receita do governo está a dar frutos.

Álvaro Novo disse acreditar que há “três condições essenciais” para conseguir gerir a dívida: “uma política orçamental responsável, aumentar o crescimento económico real e nominal e assegurar melhores condições de financiamento “. Essa é a fórmula que está a ser usada para já e, mesmo que a esquerda a considere insuficiente, o governo assegura que é a que possível e que está a resultar.