Portugal e a Europa que nos divide

«A verdade é um lugar estranho.» John Le Carré

Esta foi uma semana cheia para os eurocéticos e antieuropeus, à esquerda e à direita, nos extremos que se tocam. 

Está a chegar o tempo em que perderão a vergonha e passarão a acertar ações e caminhos. E só têm de estar agradecidos aos europeístas convictos dos caminhos que a Europa trilha.

Isso mesmo: trilha. Em trilhos que cada vez mais só eles percorrem, em nome dos seus ideais europeus. E que cada vez menos cidadãos entendem. 

Primeiro foi o senhor Shäuble, com provocações sobre o que precisamos ou não precisamos. 
A seguir tivemos o BCE a trazer outra vez à liça a aplicação de sanções a Portugal, porque afinal não fez o que tinha de fazer nos últimos anos nas reformas e nas contas públicas.

Como se fosse pouco, em jeito de entrada de elefante numa loja de porcelana tivemos o socialista holandês presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, a dizer alto e bom som que nós, os povos e os países do Sul, gastamos muitos recursos e dinheiro em «álcool e mulheres». 

Estes três episódios europeus, protagonizados por europeístas numa Europa cada vez menos europeísta, fizeram mais pelo euroceticismo e pelo antieuropeísmo do que vinte cimeiras europeias do croquete.
A história da Europa de Homero, e vários factos através dos tempos, atestam que estamos a passar todos os limites, na desunião e no desnorte, com o dito projeto europeu.

Não é de agora que vários de nós avisamos (e começámos a fazê-lo quando estávamos em minoria) que a Europa se está a transformar num anão político e num gigante económico e social com pés de barro. 

A viver muito à custa do chapéu militar e tecnológico dos EUA. 
Cercada nas suas fronteiras a Leste e a Sul por instabilidade e perigos por si detonados. 
Obcecada por uma unipolaridade normativa sem sentido. 
E a viver numa clivagem perigosa entre as democracias de produção e as democracias de distribuição.

Tendo pelo meio a cultura da austeridade, a ortodoxia dos números e a desvalorização das humanidades. 

Fazendo muito lembrar, em termos comparativos, os idos tempos do declínio do Império Romano. Carregada de laicismo radical e de obsessiva vontade de desvalorizar as suas raízes e a sua genética humanista e cristã. Os protestantes, os luteranos, os sem alma e sangue, do Centro e do Norte da Europa, a quererem impor-nos a vida cinzenta, sisuda, assente em valores que não os nossos.

Não sei se o presidente do Eurogrupo, agora que prestou mais um mau serviço à Europa, já alguma vez saboreou bem a nossa gastronomia e desfrutou do nosso sol. E se já percebeu o encanto das nossas mulheres. 
A Europa de Adenauer, Monet, Mitterrand, Kohl, Delors, Gonzalez e outros não é esta. E que falta nos faz. Porque entre este holandês socialista e o folclórico grego Varoufakis venha o diabo e escolha.

Ambos, na prática, com as suas ações e palavras, provocam o mesmo – a revolta e a desunião europeia. E se o híper-falador Yanis Varoufakis já se foi embora (diz-se que para a Austrália), chegou a hora de Dijsselbloem também fazer o mesmo. Só que talvez para o Polo Norte. 

Mas há males que vêm por bem. E nestes episódios ressalta também uma evidência dura. Mas real. Ser primeiro-ministro ou candidato a primeiro-ministro num país do Sul com discurso e propostas de países do Norte é um suicídio. Primeiro político e depois também social e económico.