Centeno e Cadilhe. Guerra aberta por centésimas no défice

Ex-ministro das Finanças confirma défice de 2,1% em 1989, enquanto o PS reclama que nunca houve um défice tão baixo como em 2016, já que houve um arredondamento. Economistas desvalorizam discussão e apelam à análise de todos os dados, nomeadamente dos que dizem respeito à dívida e investimento público

O Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmou, no final da semana passada, que o défice orçamental de 2016 ficou em 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Um facto que deixou Portugal mais próximo da porta de saída do Procedimento por Défices Excessivos (PDE). No fundo, depois de promessas e garantias do atual governo, o INE veio confirmar que o saldo das Administrações Públicas ficou em -2,06% do PIB no ano passado e o PS rapidamente hasteou a bandeira de ter atingido o valor mais baixo registado em democracia. Problema: argumentos somados a outros argumentos, que se resumiram a um discurso triunfante do Partido Socialista e a uma tomada de posição do PSD, que reclama um défice igualmente baixo em 1989.

A verdade é que, seja como for, quem o confirma é o próprio Miguel Cadilhe, ministro das Finanças desse ano: “O défice no meu 1989 foi de 2,1% do PIB”.

Para reforçar o que diz, o antigo ministro garante que a discussão teria de ser feita em função de centésimas – não especifica o valor do défice, à centésima – e esclarece que os dados podem ser consultados em publicações do Banco de Portugal.

A verdade é que, desde 1974, os anos passaram sempre com um défice superior a 3% e a exceção foi para 1989 que, por ser um ano de transição do regime fiscal, viu o défice ficar em 2,13% do PIB.

O i falou com vários economistas que desvalorizam a discussão. Eduardo Catroga, por exemplo, chama a atenção para o facto de ter sido feita, entretanto, “uma alteração à base estatística”: “Esta comparação não faz sentido porque só pode existir se houver uma base homogénea”. Além disso, para o economista importa ainda recordar que “o que mais importa é a variação da dívida de um ano para o outro e a dívida continua a aumentar”.

Catroga chama ainda a atenção para o facto de ser sempre positivo assistir a uma evolução favorável do défice, mas alerta para a necessidade de ter em conta factores como “a despesa pública corrente primária – a despesa pública corrente primária, em média, anda à volta dos 40% do PIB, mas o país não aguenta mais de 35% –, a evolução da dívida e os diferentes contextos”.

Também ouvido pelo i, Eugénio Rosa mostra-se igualmente convencido de que se trata de uma “discussão sem interesse” e admite que “as décimas não são importantes”. Para o economista, a discussão tem de ser outra: como é que o défice foi obtido? “Foram feitos cortes que afetaram muito a vida das pessoas. Claro que conseguir este défice é bom, não é isso que está em causa. Mas não se pode ter uma discussão sobre o tema, sem perceber tudo o que está em causa”. Até porque, para Eugénio Rosa, é necessário, antes de mais, ver se houve ou não um travão no desenvolvimento do país e nota que, em 2016, “tivemos muito pouco investimento público”.

Questionado sobre o mesmo assunto, também João Duque sublinha que a forma como a comparação tem sido feita é “redutora” e evidencia que, mais do que importância económica, falamos de uma discussão política.

“É preciso questionar o que foi feito para conseguir reduzir o défice. Que políticas foram aplicadas? Porque é importante ter em conta que não houve investimento público e houve aumento dos impostos indiretos”. Para João Duque, é importante olhar para os números, mas “para todos”.

Alguns analistas apontam que o valor de 2016 foi conseguido com um aperto extraordinário da despesa e cativações, que muito dificilmente será possível repetir em 2017.