O caminho dos próximos 60 anos

No dia de mais um aniversário do Tratado de Roma, surge a tentação de imaginar onde estará o projeto europeu daqui a 60 anos. No entanto, o estado atual da integração europeia não oferece grande entusiasmo para refletirmos sequer como estaremos daqui a dez anos, em 2027, quanto mais 2077…

Continua ou não a UE a ser o mais bem-sucedido projeto de integração política e económica da história do velho continente? 

Somos ou não, apesar dos recuos recentes, o modelo mais equilibrado de proteção social e dinamização do crescimento? 

Somos ou não um conjunto de 28 Estados-membros vinculados aos princípios estruturantes do Estado de Direito e à proteção dos direitos fundamentais (apesar de ameaças reais a que assistimos na Hungria ou na Polónia)? 
É ou não neste espaço que encontramos níveis invejáveis de literacia, investigação e valorização do conhecimento? 
Estamos ou não perante o mais longo período de paz entre os Estados-membros, superando rivalidades e conflitos que no passado se resolviam pelo terçar de armas em campos de batalha, e hoje se resolvem pela troca de argumentos em órgãos legitimados (direta e indiretamente) pelos povos da Europa?

A resposta a todas as perguntas é afirmativa. 

Apesar das suas muitas insuficiências, dos problemas não resolvidos ou mal resolvidos (nomeadamente na moeda única), do muito tempo absorvido em debates institucionais e de revisão dos tratados, o projeto europeu continua a estar a anos-luz de qualquer alternativa.

Onde estão, então, as raízes dos problemas que têm permitido o crescimento da extrema-direita e dos populismos, que habilitaram a concretização de um voto favorável (ainda que marginal) pelo abandono do projeto europeu pelo Reino Unido e que fazem subir os níveis de distanciamento dos cidadãos do ideário europeu? Sem prejuízo de outras análises, destacaria três elementos.

Em primeiro lugar, perdemos as gerações fundadoras e a memória viva do que antecedeu a integração europeia, de todo o lastro histórico que justifica ainda a sua necessidade. 

A consequente degradação das lideranças e a perda do espírito de solidariedade e igualdade entre parceiros tem fomentado os populismos, com muitos responsáveis políticos a falharem na sua missão pedagógica e de valorização e defesa do interesse comum de toda a União, colocando os seus interesses eleitorais e programáticos à frente do compromisso. 

Por outro lado, o défice democrático tem vindo a ser minorado, mas está longe de corresponder ao que se impunha para que o processo pudesse dar um passo integrador em frente: ainda não temos, apesar de todos os esforços, uma verdadeira polis  europeia que vá para lá das instituições e dos agentes políticos, administrativos e da sociedade civil que com elas interagem. 

Para os cidadãos, o mundo institucional de Bruxelas ainda é um corpo estranho. Se as redes sociais e as tecnologias de informação poderiam ter ajudado na superação desta distância, na realidade têm mais rapidamente servido para veículo dos extremismos e populismos desinformados. 

Finalmente, o afunilamento ideológico do projeto europeu tem deixado cada vez mais pessoas de fora e desprotegidas. 
O espírito que foi alargando a base política de apoio ao projeto europeu, federando cristãos-democratas, liberais, socialistas e social-democratas e verdes, colide com a vontade de alguns em transformar as instituições europeias em caixa-de-ressonância de narrativas únicas e sem alternativas. No plano democrático e da legitimidade, este impacto é devastador.

Em tempo de aniversário, o momento é crítico mas o ideal europeu está longe de ser irrecuperável.
Num mundo em risco de recrudescimento de egoísmos e falta de perceção dos problemas ‘do outro’, os valores do projeto europeu são ainda o antídoto mais forte contra o retrocesso. 

Nesse sentido, a melhor forma de assinalar os 60 anos do projeto e de lhe dar esperança de subsistência passa por recordá-los e exigi-los de volta ao centro da agenda: democracia, modelo social inclusivo e respeito pelos Estados-membros em igualdade e solidariedade.