Assunção Cristas: “Não viro costas a Lisboa. Se não for presidente, exerço mandato de vereadora”

O objetivo é ser presidente da Câmara de Lisboa. Se não conseguir vai manter-se como vereadora e trabalhar para uma alternativa firme. 

Assunção Cristas: “Não viro costas a Lisboa. Se não for presidente, exerço mandato de vereadora”

Esta semana, o ainda presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, proferiu declarações que lhe valeram pedidos de demissão por parte do CDS, que as considerou «sexistas». Sentiu-se visada como mulher? 

Achei absolutamente inadmissíveis, inapropriadas em relação aos países do sul da Europa ou a qualquer outro país. São declarações carregadas de estereótipos, de preconceitos não só sexistas mas também xenófobos. O senhor foi muito infeliz, e até poderíamos pensar que se tratava de uma força de expressão mal aplicada, já de si lamentável, mas não. Quando podia ter pedido desculpa, quando podia retratar-se, na primeira oportunidade teve uma atitude ainda pior que a primeira: não assumiu que se excedeu. 

E tem condições para continuar à frente do Eurogrupo [órgão dos ministros das Finanças da zona euro]?

Nenhumas. Já teria poucas, tendo o seu partido – que é socialista – perdido clamorosamente as eleições na Holanda seria estranho que alguém com uma fragilidade eleitoral tão grande continuasse à frente do Eurogrupo. Somando uma coisa à outra, qualquer uma delas devia indicar o caminho de saída ao sr. Dijsselbloem. Está a perder uma boa oportunidade de se demitir. Devemos fazer tudo para que seja rapidamente substituído. 

Indo a outro assunto desta semana: o trânsito em Lisboa parou devido ao viaduto de Alcântara. Vê falta de prevenção por parte da Câmara? 

Este exemplo, e ainda é necessário apurar tudo o que se passou, fez com que a cidade, e toda a gente que vive no lado ocidental, acordasse em sobressalto. Os carros não passavam, os comboios não passavam. Isto tudo fez entupir a cidade, não só em Alcântara, mas por todos os sítios onde se tentou fugir. Ainda há a dúvida sobre a situação de fragilidade do viaduto, o embate de um camião para ter um impacto daqueles teria ficado lá… Mas sobre a cidade, num nível mais básico, os trânsitos, a higiene, a segurança, não têm sido prioridades da Câmara. E não é de agora. Já são 10 anos de governação socialista… O governo camarário de Fernando Medina inaugura com grande pompa e circunstância obras de cosmética, mas do resto esquece-se…

A Assunção Cristas teria ido ao local no dia?

Certamente. Como teria ido no dia à derrocada que houve na Damasceno Monteiro e o presidente da Câmara demorou três dias. Eu não fui antes por respeito. Achei que só devia ir depois do presidente da Câmara em funções, mas a concelhia do CDS apareceu logo, tal como o nosso vereador em Alcântara. Vemos mais Fernando Medina a inaugurar praças do que a ser presidente da Câmara da Lisboa que eu hoje vejo desleixada, abandonada, esquecida… 

Esquecida? 

Tenho feito várias visitas a bairros sociais e tenho atestado o que é a degradação das condições de vida das pessoas. Comecei pelo bairro da Cruz Vermelha, que não tinha intervenções desde que foi construído – são 40 anos de bairro sem intervenção. Mas há uma coisa boa: um mês depois, a Câmara estava lá a anunciar obras de emergência em cerca de 300 mil euros; dois meses depois, a Câmara estava a dizer que tínhamos razão. Que são precisas novas soluções para aquele espaço. 

Os militantes do CDS mais geograficamente distantes da Grande Lisboa, ao verem a líder do partido a falar todos os dias sobre locais como o bairro da Cruz Vermelha, Alcântara…

Não podem ter sido todos os dias, que eu tenho feito muitas ações de campanha e não tem havido essa cobertura…

A sua insatisfação com a falta de cobertura mediática é verídica então…

Não é uma insatisfação, é uma constatação… Mas respeito os tempos da comunicação social.

Ainda estamos só em pré-campanha…

Porventura será porque ainda não têm essa organização interna e essa sensibilidade, mas há uma desigualdade de armas quando Fernando Medina aparece muitas vezes na sua ação de presidente da Câmara. 

Mas regressando à minha pergunta: ao verem a líder do partido a falar todos os dias sobre locais como o bairro da Cruz Vermelha, Alcântara, os militantes do CDS mais distantes de Lisboa não perdem contacto com a líder?

Creio que não. A partir de junho passado, eu andava de norte a sul do país a fazer as visitas normais do partido, e comecei a ouvir perguntas de todo o lado sobre se era ou não candidata à Câmara de Lisboa. Foi muita força de todo o país, percecionando que era importante para o CDS ter uma candidatura forte a Lisboa. 

Os militantes apoiam a sua candidatura?

Eu creio que os militantes estão ao meu lado para ir à capital. Não tenho grandes dúvidas dentro dessa matéria. Foi uma decisão refletida no partido e posso dizer-lhe uma coisa: neste momento eu sinto-me aliada de todos os militantes do CDS em todos os concelhos que estão a fazer trabalho autárquico. 

Aliada?

Tenho ido a muitas apresentações de candidatura e eles sentem-se altamente motivados por saberem que eu também estou neste trabalho de preparação. Abraçámos um desafio eleitoral. Tenho muita vontade de ser autarca e adoraria ser presidente de Câmara em Lisboa. Às vezes oiço pessoas a dizer que é para servir de trampolim ou para medir forças e eu só tenho a dizer: esqueçam. Se os lisboetas confiarem o seu voto ao ponto de eu ser presidente da Câmara de Lisboa, garanto que farei toda a diferença, que vão gostar do trabalho que irei desenvolver. É um trabalho que está a ser construído, tendo como base o que os próprios lisboetas nos dizem. 

Fala do desejo de ser autarca, mas também afirma que a candidatura é à “presidência da Câmara”.

Sim, a candidatura é à presidência da Câmara, mas, como já disse, não virarei as costas a Lisboa. Se os lisboetas considerarem que ainda não é esta a altura de me confiarem o seu voto ao ponto de ser eleita presidente, exercerei o meu mandato como vereadora. O CDS pode orgulhar-se muito de ter tido um único vereador nestes quatro anos na Câmara Municipal de Lisboa, o João Gonçalves Pereira, que sozinho fez mais que todos os outros vereadores juntos. Tanto a nível de propostas como a nível de moções. 

E se o atual executivo camarário perder a maioria absoluta que tem, senta-se à mesa com Medina para negociar um entendimento? 

Eu não antecipo cenários nenhuns. Não olho para isso neste momento. Aquilo que me preocupa é dar o meu melhor para ser presidente da Câmara de Lisboa. Se se der o caso de eu ser eleita vereadora da oposição, trabalharei sempre para ter uma alternativa firme para a Câmara, apresentando propostas com sentido. Desde setembro que estou junto dos lisboetas, de instituições, das pessoas, a ouvir. Já apresentei ideias muito concretas, já defini prioridades e não quero fechar nada até terminar o nosso ciclo de debate público aberto, que é coisa que o executivo atual não faz…   

Falava do trabalho do vereador Gonçalves Pereira. Olhando para as estatísticas, ele apresenta mais de metade de todas as moções face aos restantes vereadores. Esse trabalho também pesou na sua escolha em vir a Lisboa? Saber que tinha uma boa base?

Certamente que sim. Nós temos esse passado em Lisboa, de uma só pessoa ter conseguido fazer tanto. Deu ânimo e estrutura para que o CDS ambicionasse ter uma candidatura forte na capital. Se durante quatro anos não tivéssemos feito nada, certamente que seria muito difícil termos uma candidatura forte em Lisboa…

Ao não haver coligações para as juntas de freguesia este ano, em Lisboa, não beneficia o Partido Socialista? 

Uma é coisa é a Câmara, uma coisa é a Assembleia Municipal e outra é a Junta de Freguesia. As pessoas distinguem muito bem. Nós procuramos ter os melhores candidatos às juntas, como eu acho que sou a melhor candidata à Câmara. Para apresentar uma alternativa mobilizadora à cidade não poderia ser de outro modo. 

O CDS está literalmente um partido cada vez mais popular. Para si, onde é que termina a linha do eleitoralismo e começa a do populismo?

As duas coisas não se confundem. Uma coisa é estar próxima das pessoas, procurar a proximidade para ouvir e visitar. Quando visitei o Caramão da Ajuda, uma moradora – Maria Odete – convidou-me a entrar no pátio dela onde tinha várias orquídeas, lindíssimas, e disse-me para escolher. Está em minha casa e continua lindíssima! Fico grata e reforçada nas minhas convicções com isto, mas não tem nada a ver com populismo. Uma coisa é a simpatia, outra é o nosso discurso, perfeitamente claro, sem demagogia, sem medos, sem promessas irrealizáveis. O que me preocupa é encontrar formas de resolver os problemas da vida das pessoas. 

E a nível nacional, mantém a mesma lógica?

Sim, apresentámos no parlamento projetos muito concretos que têm uma dimensão nacional e uma dimensão local. Se puderem ter, articuladamente, uma agenda local também a pensar nisso, melhor.

Por exemplo?

O pacote natalidade, de apoio à família. É um pacote nacional com dimensão local. Uma das medidas que eu já apresentei para Lisboa é afirmar que estaremos em condições de garantir lugares de creche para todos os meninos de 3 anos e para trás. A possibilidade de ter discurso nacional e local sobre temas que se complementam é importante e positiva. A nível nacional, o CDS defende um alívio de impostos; a nível local já apresentei a proposta do fim da taxa da proteção civil, que ainda por cima é uma taxa ilegal por não haver contrapartida visível. Comigo irá acabar. 

O CDS defendeu a recalendarização das obras. Porquê?

É um desrespeito enorme para com os lisboetas. Querer fazer todas as obras apenas para satisfazer um calendário eleitoral quando não há nenhuma urgência nessas obras é incomodar toda a gente, não respeitar o seu direito a uma vida mais tranquila, é dar-lhes um dia-a-dia infernal, de trânsito caótico e enorme dificuldade em chegar a casa. Conciliar trabalho e família hoje em Lisboa é bem mais difícil. 

Também acha que Lisboa tem carros a mais?

Eu acho que Lisboa ganharia muito se pudesse ter transportes públicos a funcionar bem, em que as pessoas se conseguissem movimentar confortavelmente na cidade, gastando menos tempo. Mas Lisboa não pode de repente tratar as pessoas com carro próprio como se não merecessem respeito por parte da Câmara. Estão no fundo das prioridades. Olhamos para uma EMEL que às vezes atemoriza mais do que para uma empresa pública supostamente ao serviço dos lisboetas. 

E os turistas são amigos ou ameaça para os residentes? 

Lisboa chegou a ter 900 mil habitantes na década de 80 e depois veio perdendo porque os jovens e as famílias não tinham opções de habitação. Iam sendo lançados para as periferias. As zonas mais antigas da cidade, que hoje estão a ser atrativas para os turistas, eram áreas onde nós já não tínhamos população de Lisboa. Neste momento, temos 540 mil habitantes na cidade. O que é relevante, agora, é ter uma cidade inclusiva do ponto de vista geracional. Todo o país está envelhecido, mas em Lisboa é pior. Temos de garantir que as famílias conseguem ter casa em Lisboa e conseguem fazer uma vida em Lisboa sem serem atirados para a periferia. O turismo traz uma nova vida à sociedade, não é a causa do problema. 

Acha que as obras da Segunda Circular foram canceladas por motivação política?

Eu não tenho uma prova em relação a isso e não quero afirmar algo que não corresponda à verdade, mas todos nós, lisboetas, intuímos que as obras não foram feitas porque o presidente da Câmara de Lisboa achou que podia ter ali algum problema de não conseguir concluir a obra a tempo ou que aquilo lhe podia causar muitíssimos embaraços eleitorais. Isso parece-me bastante evidente. 

Muitas vezes, na sua forma de fazer política, fala da sua experiência pessoal, como mãe, como mulher…

Eu não acredito em políticos asséticos. Cada um traz para a política aquilo que é. Não somos pais e mães à segunda, terça e quarta, e políticas à quinta e à sexta. Somos tudo. Eu nunca fiz essa distinção porque seria cortar algo de mim. Se estamos a fazer alguma coisa tem que ser com tudo o que temos. Vivências, convicções, paixões. Nada em política se faz sozinho. 

Entrou sempre a correr. Na academia, no partido, nas autárquicas…

Na família… Casei muito nova, com 23 anos. Com 30, já tínhamos três filhos. 

Tem sempre pressa? 

Não é bem pressa. É gostar de dar o meu melhor em tudo. Se é para constituir família, constitui-se família. Se é para fazer o doutoramento, faço-o o mais depressa que consiga para ser professora. E na política, olhe, foi o acaso. 

Não gosta de perder tempo.

Nós lá em casa temos uma máxima do meu marido: descansamos quando morrermos! 

É ele que tem tomado conta das coisas em casa? 

De muitas, sim, são responsabilidades muito partilhadas. Hoje em dia, ele faz mais coisas do que fazia há dez anos (risos). 

Ser mulher passou a ser uma vantagem na política?

Ainda é uma novidade e eu gostaria de viver num tempo em que ser mulher ou ser homem não interessa; interessa a sua qualidade. Nunca achei que fosse o facto de ser mulher a levar-me, quer na academia, quer na política, a um caminho mais rápido. Talvez Paulo Portas não tivesse reparado em mim se eu não fosse mulher porque já tinha muitos homens com muita qualidade no CDS. Sempre houve mulheres com muita qualidade no CDS, mas éramos menos em número. Fomos o primeiro partido a ter um líder parlamentar mulher, por exemplo.

Portas reparou em si num debate sobre a interrupção voluntária da gravidez. Mantém a mesma posição, contra o aborto?

Mantenho exatamente a mesma. A lei deveria ser diferente. Não é um caminho que devemos desejar para uma sociedade que inclui toda a gente. O caminho é acompanhar, apoiar e evitar gravidezes indesejadas. Quando elas acontecem, é ajudar as pessoas a encontrar um caminho que nunca seja eliminar uma vida humana. Esta visão personalista e humanista está sempre comigo e não me acho atrasada no tempo por isso. 

Chegou a dizer numa entrevista que se ganhasse à Câmara seria outra pessoa a liderar as listas do CDS nas eleições legislativas. No congresso, comprometeu-se a que o partido fosse sozinho a eleições.

E continuo com essa convicção.

Mas essa liderança de listas, seria selecionada por si, haveria primárias?

Nós temos 18 listas a 18 distritos. Quando temos legislativas, especialmente desde as últimas, sabemos que não há candidato a primeiro-ministro. Rigorosamente o que há é uma eleição para eleger deputados. 

Quando disse que iria “outra pessoa” singularizou a questão… 

Não. O que eu disse foi que não seria candidata a deputada se fosse presidente de Câmara porque não me parece que sejam funções compatíveis. Ser vereadora e deputada é compatível; ser presidente de Câmara e deputada não é. Teríamos um excecional grupo parlamentar do CDS – como aliás hoje temos – e eu estaria presente como líder partidária e presidente da Câmara de Lisboa. Seria uma campanha de todos e eu certamente ajudaria. 

Depois de as negociações com o PSD terem falhado para a apoiar, vê isso afetar uma possível negociação para depois das legislativas? 

Neste momento nem ponderamos questões das legislativas. As eleições autárquicas têm 308 municípios e nós temos coligações com o PSD em dezenas deles. Em 22, hoje, somos governo com o PSD e na generalidade vamos repetir a coligação. No PSD, vemos um partido amigo, aliado em muitos locais, mas naturalmente temos uma estratégia e uma visão diferente em relação a um conjunto de coisas. Cada momento é um momento e assim será ponderado.

Para si, é errado do ponto de vista de análise dizer que este CDS pisa mais os calcanhares ao PSD? 

De todo. O nosso adversário é muito claro, é o Partido Socialista.

Parece muito serena em relação ao resultado…

Deixe-me dizer-lhe uma coisa…

Mas eu ainda não fiz a pergunta…

Mas oiça: a política é um exercício de humildade. Nós temos de estar sempre em condições de aceitar com serenidade o resultado eleitoral. Verificar que as pessoas perceberam a nossa proposta, se chegámos onde gostaríamos e tirar conclusões sobre isso. Faço sempre o meu trabalho com ambição máxima, nunca deixando para amanhã o que posso fazer hoje. As pessoas merecem que dê o melhor de mim própria. Amo Lisboa e é para a cidade e para os lisboetas que eu tenho de trabalhar. Se daí nascerá um resultado que me leve a presidente da Câmara de Lisboa, está nas mãos deles. Se não for esse o caso, darei uma excelente vereadora.

Com muitas faltas ou não? 

Com o mínimo de substituições possível! 

Se tiver menos que Paulo Portas não sente a liderança fragilizada? 

Nem sequer olho para essas questões neste momento. O que me ocupa é ter trabalho no terreno, apresentar propostas e estar junto dos lisboetas. 

Não pensa no dia a seguir?

Não. Eu nunca fiz planos em política. Não vim para o CDS para ser deputada, ministra ou líder. Vim para o CDS porque fui desafiada e achei que tinha que dar o meu melhor.

Se hoje tivesse sido primeiro-ministro houvesse um ex-ministro seu a revelar conversas privadas, mantinha a confiança nele?

Aquilo que eu disse é factual e foi dito num sentido muito claro, que era reforçar a visão do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho…

Eu não estava a perguntar do Conselho de Ministros.

Então?

Quando disse que ele temia legislativas antes das autárquicas.

Não era uma conversa privada, era uma perceção que eu tinha e que toda a gente tinha, que ele tinha a firme convicção que haveria eleições legislativas antes das autárquicas. 

Mas indo ao Conselho de Ministros. Maria Luís Albuquerque disse recentemente que as reuniões em Conselho de Ministros são «privadas». Arrepende-se do que disse?

Não, não me arrependo, porque só veio reforçar aquilo que era o pensamento do primeiro-ministro: nós não tínhamos que nos meter num assunto da responsabilidade do regulador. Não acho que haja qualquer tipo de deslealdade. 

Paulo Ralha, líder sindical dos trabalhadores dos impostos, veio recentemente dizer que os impostos das transferências para paraísos fiscais haviam sido pagos. Se assim foi, Paulo Núncio demitiu-se porquê? 

Isso terá que perguntar a Paulo Núncio.