O bispo, o diplomata e o profeta

Nesta velha Europa, berço da cristandade, as coisas começaram mal quando o imperador Constantino, no século IV, fez da Boa Nova de Jesus Cristo a religião oficial do Império.

os equívocos continuaram até aos nossos dias, alimentados pelos senhores do templo e pelos senhores do tempo.

casamentos de conveniência.

desde que me conheço, oiço chamar aos bispos católicos ‘santos’, ‘príncipes da igreja’. mas raramente ‘pastores’. ‘profetas’, só depois de terem morrido – e muito mais raramente.

em portugal é o caso de d. antónio ferreira gomes, bispo do porto, mandado exilar por salazar perante o silêncio cúmplice dos seus pares.

nas duas últimas semanas, quis o espírito santo que o bispo d. januário torgal ferreira chamasse a forma de actuação de algumas criaturas pelo nome.

disse o que o povo pobre deste país pensa – e só não verbaliza alto porque a sua voz não tem ressonância e sai apenas em tom de gemido, ou porque o medo lhe tolhe o som.

foi um grito em nome dos mais explorados dos pobres, dos famintos de pão e de esperança, que as igrejas conhecem melhor do que o estado, porque o estado não é cuidador.

não foi um grito diplomático, característica que por tradição vem junta com o báculo e com o anel episcopal.

quando um diplomata diz sim, é talvez. quando diz talvez, é não. e quando diz não, não é diplomata.

graças a deus, em cada geração tem aparecido na igreja católica em portugal um bispo que, tendo reprovado na cadeira de diplomacia, teve a nota máxima em pastoral e sagrada escritura, e não esqueceu que os profetas sempre foram rejeitados na sua terra.

de amós 5-10-14 a ezequiel 11-2-9.

muitos foram alertando os povos, em diversas épocas, para não se deixarem embalar com palavras mansas mas envenenadas.

a sorte deles foi quase sempre a daqueles que, profetas ou não, denunciam as iniquidades.

ao próprio jesus de nazaré aconteceu o mesmo.

os senhores do tempo, apelando ao seu estatuto de católicos, condenaram veementemente as declarações do bispo. as devotas senhoras marquesas, mal amadas, fizeram comentários, dizendo que sua excelência reverendíssima estava possesso do diabo.

os outros, os que pensam diferente, dizemos aos prezados senhores e senhoras que, quer queiram quer não, nós também somos igreja. e escolhemos colocar-nos do lado da barricada onde se situa o bispo das forças armadas, independentemente do estilo próprio que sempre usou na vida. a clareza, a independência e o não conformismo, com o qual olha e intervém na cidade dos homens, dá sentido à forma como anuncia a cidade de deus.

sei, sabemos, que não é o único justo de entre os que desempenham as mesmas funções. mas foi, aqui e agora, o que se pôs a jeito de ser ouvido por crentes e não crentes.

«felizes os que sofrem perseguições por causa da justiça, porque deles é o reino do céu» – mat-5-10.

catalinapestana@gmail.com