Livro público de reclamações

Vila Viçosa: Gravámos por todo o lado, até no estrangeiro, com autorizações obtidas sem qualquer dificuldade: na Praça da Bastilha, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Paço Imperial ou até mesmo em pleno Cristo Redentor. Mas em Vila Viçosa batemos com o nariz na porta.

nunca lá tinha ido e fiquei encantado com a beleza desta localidade histórica. só não estava à espera, ao fim de enésimas tentativas junto da fundação casa de bragança, de gravar um dia inteiro apenas e só no terreiro do paço local, uma extraordinária praça tornada perfeitamente abrasadora sob a canícula alentejana.

a importância do palácio local faz parte da essência do país. é de lá que, enfim convencido pelos conjurados, o futuro d. joão iv enfim deixa a terra partindo para lisboa, onde será proclamado rei, ponto fim ao domínio filipino. filmar no seu interior seria evidentemente necessário mas a fundação que hoje gere estes terrenos, tão ciosa da história de portugal que prefere decerto e claramente não a contar a ninguém, foi a única entidade em dezenas que não permitiu entrada nos seus domínios. e, se me é permitido o parêntesis: pergunto-me quanto não receberá por mês o seu administrador? há que fazer um programa sobre as origens e relevância do ‘tacho’ na sociedade portuguesa, duvido é que nos deixem gravar lá dentro.

noto todavia a amabilidade que a fundação teve em garantir-nos total à vontade para filmagens na praça defronte. uma simpatia, de facto, não fosse esta jurisdição do município e totalmente alheia ao põe e dispõe da entidade supracitada. façam-me o enorme favor de se sentirem insultados, mas naturalmente no português mais arcaico que vos aprouver.

sata:

ou deveria escrever antes ‘satã’? o leitor habitual já deve estar familiarizado com as minhas porradas regulares nas transportadoras aéreas portuguesas, mas faça-me o obséquio de aguentar durante mais uma.

faz agora três mesinhos que tive o enésimo contratempo no aeroporto de ponta delgada que, muito embora chamado joão paulo ii, está longe de fazer milagres. já lá fiquei retido durante um dia, atrasado durante horas suficientes para ler a trilogia do senhor dos anéis, sem bagagem, etc. desta vez, tudo se passou durante uma viagem de trabalho.

como gato escaldado de água fria tem medo, resolvi telefonar várias vezes para o aeroporto e para os números da sata tentando inquirir se tudo estava ok com o voo de regresso a lisboa, marcado para as 7 da manhã. o escriba e um colega revezaram-se no esforço mas nada. do outro lado da linha um silêncio autista. lá saímos do hotel sem pequeno-almoço tomado só para descobrir, no malfadado ‘joão paulo ii’ que o avião só partiria umas oito horinhas depois – inviabilizando completamente novo compromisso profissional, desta vez em cascais, na tarde desse dia. tal como nós, largas dezenas de pessoas enfurecidas questionavam-se, acotovelando-se num balcão, se não tinha havido maneira – sei lá, um telefonema? – de avisar os passageiros deste contratempo. e dou por mim a recordar uma piada velhinha, que traduzia assim a sigla da s.a.t.a.: só atrapalhamos o tráfego aéreo.

para abreviar a história, olvidemos as horas passadas a fazer nenhum, e eis-nos já a bordo da aeronave. com a ténue esperança de, em não havendo mais percalços, conseguir estar em cascais apenas minutos após a hora marcada. só que até ao lavar dos cestos é vindima. daí que, quando os monitores já mostravam o desenho do avião sobre solo continental, e devido a um problema técnico insondável, o nosso comandante foi obrigado a dar um pulinho até faro para abastecer. uma hora na pista a torrar ao sol e eis-nos enfim directos a lisboa.

irremediavelmente atrasados, eu e o meu colega resolvemos perder algum tempo já na portela a preencher uma reclamação. garantem-nos que há sempre resposta e que, no mínimo, a sata compensará os incómodos oferecendo uma viagem. pois bem, três meses passados, a única reacção obtida foi um daqueles correios electrónicos disparados automaticamente, com o pomposo título ‘customer care’, acusando a recepção da nossa indignada missiva e nada mais. gostaria de escrever que os passageiros são tratados como uma verdadeira manada. mas não, nem sequer temos essa dignidade. é que até as vacas pastam bem melhor do que aquelas sandes de treta servidas a bordo.

lfborgez@gmail.com