Please don’t go

Mesmo depois de Theresa May ter escrito a carta de divórcio, mesmo depois de nove meses de ressentimento entre Londres e Bruxelas, mesmo depois da festa dos ‘brexiters’ ortodoxos e do Daily Mail ter titulado a reconquista da ‘LIBERDADE’ insular, ainda há quem não se deixe vencer pela ideia de inevitabilidade da saída do Reino…

Olhando para o futuro a partir dos acontecimentos desta semana, uma travagem do Brexit parece ser um cenário muito, muito longínquo. Mas as últimas intervenções das principais lideranças políticas, bem como algumas manobras de bastidores [por exemplo, o desejo de alguns responsáveis europeus incluírem nas negociações uma cláusula de reversão do Brexit], tiveram pelo menos o efeito de abrir espaço de manobra para Londres e Bruxelas. 

May resistiu à retórica estridente de muitos deputados conservadores em relação à Europa. Como os discursos também devem ser lidos pelo que não se diz, a primeira-ministra britânica largou o princípio do ‘não acordo é melhor do que um mau acordo’, afastando-se do seu MNE que não vê problema num ‘hard Brexit’. Gerindo os equilíbrios domésticos (48% dos britânicos votaram para ficar) e externos (Londres tem a pior mão negocial), May foi conciliadora com a Europa – «a nossa decisão não é uma rejeição dos valores europeus que partilhamos» – e mostrou a boa-fé de um «parceiro comprometido». Mas a frase que ficará para a posteridade é outra: «Este é um momento histórico a partir do qual não há retorno». Com esta linha May tentou cumprir três objetivos. Primeiro, mostrar liderança do processo e o cumprimento da vontade popular. A atualização do momento «The lady’s is not for turning» protagonizado por Thatcher. Segundo, fechar qualquer hipótese de reversão do Brexit, admitindo implicitamente que ela existe, não só pelas dificuldades e riscos que a negociação vai comportar, mas sobretudo pela oposição velada da Câmara dos Lordes e de pesos pesados que voltaram ao combate, como Tony Blair ou John Major. Terceiro: cuidar do seu próprio futuro político. May, uma decisora racional e calculista, conhece a relação turbulenta do seu partido com a Europa. A UE está intimamente ligada às desventuras políticas de dois ex-PM Tories. May não quer ser o terceiro nome na lista. 

As negociações entre Londres e Bruxelas vão ser desagradáveis, por vezes brutais e certamente longas – um extraordinário exercício de desperdício de energia quando ambos têm o quintal em chamas. Como dizia Donald Tusk, o processo negocial não está feito para haver ganhadores: «Todos perdem». A Europa perde uma das suas maiores economias, um dos seus maiores contingentes de defesa e perde a visão britânica para uma economia e uma democracia mais livres – um contrapeso ao dirigismo continental. Londres, fiando-se que fica melhor trocando o seu maior mercado (UE) por uma ideia de ‘Commonwealth 2.0’, corre sérios riscos económicos e políticos. O espetro de desintegração adensa-se com exigências de um novo referendo Escócia e a hipotética reunificação da Irlanda. Já dizia Matthias Matthijs, da Universidade Johns Hopkins: no fim do dia, é possível que o Reino Unido (UK) fique conhecido pelo irónico acrónimo FUKEW – former United Kingdom of England and Wales. 

«Já temos saudades vossas. Adeus e obrigado» disse Tusk na reação à separação epistolar, pouco faltando para ouvirmos na sede do Conselho o saudoso refrão dos KC&The Sunshine Band: «So please don’t go/ Don’t go, don’t go away».