Luís de Sttau Monteiro. A acidez do humor.

Criou peças de teatro, romances, crónicas, slogans publicitários. E a Guidinha, essa rapariga memorável, só aparentemente tonta, que não se cansou de apontar o dedo a uma sociedade em decomposição. 

Luís de Sttau Monteiro, que se distinguiu sobretudo como dramaturgo, nasceu a 3 de Abril de 1926, a escassas semanas do Golpe de Estado que haveria de pôr Portugal no caminho do Estado Novo. Cedo soube exprimir a urgência da Liberdade.

O romance com que rompeu o seu caminho de escritor, Um Homem Não Chora, de 1960, a que se seguiu, no ano imediato, Angústia para o Jantar, centrado no afogo gerado pela decomposição de uma sociedade corrompida pelo vício, pela ambição e pelo dinheiro, logo revelava as suas armas: a crítica lúcida, o espírito mordaz, o humor ácido, derramado sobre as contradições sociais e históricas das décadas de ’60 e ’70 do século XX. São armas poderosas a que não é alheio o período em que permaneceu em Londres, cidade para onde parte aos dez anos, acompanhando o pai, o embaixador Armindo Monteiro, que aí vai exercer funções, e que influirá significativamente na sua formação cívica e literária até regressar a Portugal, em 1943, no momento em que o pai é demitido do cargo por discordâncias políticas com o governo de Salazar. Mais tarde, voltará a partir para Londres, onde conhece a jovem June Goodyear com quem vem a casar em 1951.

Luís de Sttau Monteiro, que se definiu como «um homem de teatro, concreto, real, de palco», sofrerá na própria pele os rigores da acção do regime de Salazar quando, em 1961, publicar a sua peça de estreia, Felizmente há Luar!, um drama histórico baseado na figura de Gomes Freire de Andrade, situado na linha do teatro épico, que logo o conduz ao primeiro plano da dramaturgia contemporânea. E também à cadeia do Aljube, onde toma conhecimento da atribuição do Grande Prémio de Teatro de 1962 da Associação Portuguesa de Escritores. Proibida até 1974, só em 1978  esta peça acederia pela primeira vez às tábuas do palco no Teatro Nacional D. Maria II, numa encenação do próprio autor.

A mão férrea da Censura agarrou-lhe outras peças: Todos os Anos pela Primavera (1963) – uma parábola kafkiana que reúne no mesmo espaço concentracionário carcereiros e detidos –, O Barão (1964) – mais do que a adaptação teatral da obra de consagração de Branquinho da Fonseca, é uma interpretação própria e uma recriação de Sttau Monteiro –, o Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966), uma paráfrase moderna do auto vicentino.

Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, o autor desse vigoroso libelo contra a intolerância que é a peça As Mãos de Abraaão Zacut (1968), exerceu apenas por dois anos, enveredando mais tarde pela actividade jornalística, iniciada na revista Almanaque pela mão do «padrinho» José Cardoso Pires. Os pareceres, carregados de subjectividade, sem fundamentações maiores, há-de reservá-los para o final dos anos ‘70, quando integrar o júri do famoso concurso televisivo «A Visita da Cornélia».

Que nem só no tribunal se luta pela justiça mostra-o à saciedade a sua produção dramatúrgica, com destaque para a sua peça mais aclamada, Felizmente Há Luar!, a consubstanciar a contestação dramática ao Estado Novo, a materializar a perseguição censória  e cujo valor simbólico e combativo o autor  não poderia prever, mas também A Guerra Santa (1966) e A Estátua, sátiras centradas na ditadura e na guerra colonial, ambas  reunidas num volume de 1966 que de novo o leva à prisão. Deixara já escrito o romance inédito Agarra o Verão, Guida, Agarra o Verão, que adaptou para novela televisiva em 1982, exibida na RTP com o título Chuva na Areia.

Das várias secções pelas quais repartiu a sua vida, nem todas com vasos comunicantes – a advocacia, a Fórmula 2, o teatro, a ficção narrativa, o jornalismo, a publicidade, as crónicas gastronómicas, subscritas com o pseudónimo Manuel Pedrosa – nenhuma terá sabido alimentar-se tão habilmente da tacanhez do Estado Novo como a humorada secção das «Redacções da Guidinha» (Areal Editores, 2002), essa rapariga só aparentemente tonta, incapaz de escrever com vírgulas e pontos finais, que transitou do suplemento «A Mosca», do Diário de Lisboa, para o semanário O Jornal. Guidinha partilhou com o seu criador, para além do berço lisboeta, a irreverência e a língua afiada.