Hospitais sinalizaram 709 doentes à Segurança Social em 2016

Situações de doentes que permaneciam nos hospitais para além do tempo de tratamento, a maioria idosos, foi motivo de alerta no inverno de 2014/2015. Desde então, Saúde, Justiça e Segurança Social afinaram procedimentos para planear melhor as altas. E já há mais pedidos

O alerta surgiu no inverno de 2014/2015. Com a gripe a levar mais doentes aos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, havia um número elevado de camas ocupadas por pessoas que, apesar de já não terem indicação para continuarem internadas, não tinham condições para regressar a casa e precisavam de uma vaga na rede de cuidados continuados, em lares ou de apoio domiciliário. “Não é tarefa dos hospitais ter pessoas que não precisam de lá estar por razões de saúde”, diria meses mais tarde o então ministro da Saúde, Paulo Macedo, sublinhando que estava em marcha uma maior articulação com os serviços de Segurança Social. Dois anos depois, há protocolos definidos e aumentaram os pedidos de intervenção.

O balanço é feito ao i pelo Instituto de Segurança Social (ISS), que passou a centralizar os casos conhecidos como “altas sociais”. O ISS recorda que, em 2015, quando a Administração Central do Sistema de Saúde fez o primeiro levantamento no SNS, foram sinalizadas cerca de 180 pessoas que não tinham motivos clínicos para estar nos hospitais.

No ano passado, o número de casos referenciados já de acordo com os novos procedimentos foi bastante superior. No total foram sinalizados ao Instituto de Segurança Social um total de 709 pessoas que, segundo a avaliação do serviço social do hospital, precisavam de integração em respostas sociais. Este número inclui doentes que não tinham para onde ir, mas outros casos em que os familiares, vizinhos ou mesmo instituições particulares de solidariedade pediam antecipadamente apoio da Segurança Social, sendo estes a maioria dos casos.

Segundo o ISS, em 84% dos casos, o pedido expresso era para integração dos doentes em lares – estruturas residenciais para pessoas idosas. Já em 6% dos casos era necessária uma resposta no âmbito da saúde mental, cronicamente a área mais desfalcada na rede de cuidados continuados. Após a avaliação da Segurança Social, só metade dos idosos foram integrados em lares, uma vez que as restantes situações foram consideradas como tendo condições para o regresso ao domicílio com serviços de apoio domiciliário ou centro de dia, apoio de familiares ou direcionadas para respostas sociais na área da deficiência.

Manual de procedimentos

O Instituto de Segurança Social explica que, após o balanço feito em 2015, foram apurados diferentes constrangimentos que levaram a ser criado um manual de articulação entre a Saúde e a Segurança Social para o planeamento das altas. Havia situações clínicas complexas que precisavam de cuidados permanentes mesmo fora do hospital, processos que exigiam a intervenção do Ministério Público e casos de cidadãos estrangeiros sem documentos em que os hospitais tinham de esperar pela intervenção dos consulados. Este manual estabelece que, quando aparece num hospital um doente que previsivelmente irá necessitar de apoio imediatamente depois do internamento hospitalar, seja de mais cuidados de saúde ou de apoio social, a alta deve começar a ser planeada desde o primeiro dia. São considerados fatores de risco em diferentes dimensões, tanto pessoais como sociais e económicas. Ter uma viuvez recente, viver só, exaustão familiar dos cuidadores, baixos rendimentos, patologia psiquiátrica e múltiplos internamentos são alguns dos sinais de alerta para os quais os profissionais de saúde são alertados. Sinais de maus-tratos ou negligência foram outros aspetos reforçados, matéria que até aqui só estava mais sistematizada no trabalho das comissões de proteção de crianças e menores.

O cenário melhorou? Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, reconhece que os procedimentos foram reforçados, mas acredita que a referenciação dos doentes ainda estará longe das necessidades reais. “Temos um milhão de internamentos por ano e 20% da população vive abaixo do limiar de pobreza. Continuamos apenas a sinalizar os casos mais graves, e não todos os que poderiam beneficiar de apoio social”, diz o gestor hospitalar.

Alexandre Lourenço sublinha que o planeamento da alta perante fatores de risco, nomeadamente as condições económicas, é um ideal há muito perseguido, mas enfrenta ainda alguns obstáculos e, por isso, a situação nos hospitais não melhorou significativamente. A escassez de recursos humanos e o desencorajamento quer dos profissionais quer das famílias por não haver, muitas vezes, uma reação célere quer das respostas sociais quer dos cuidados continuados contribuíram para que muitas situações se arrastem no tempo ou se multipliquem os internamentos. Um dos planos da associação é fazer um levantamento destas situações e perceber a duração dos internamentos. O tema vai estar em discussão no próximo Caminho dos Hospitais, um encontro mensal promovido pela associação e que vai ter lugar dia 20 de abril no Hospital Amato Lusitano. Perceber como reforçar a integração e saber onde acaba a resposta da saúde e começa a do setor social é um dos motes do debate. “É algo que importa melhorar sobretudo quando sabemos que as pessoas mais pobres são as que têm mais doenças”, alerta o especialista.