Não gosto de António Domingues

Não gosto dele. Ele gosta demasiado da sua vida ideal. Mas havendo tantos outros como ele, será injustiça a crítica pelo simples facto de este ser conhecido e não outros?

Não gosto de António Domingues, não gosto dos seus interesses, e gosto ainda menos que ele os ponha à frente das necessidades do país. Queria reformar-se, chamaram-no para um cargo de alta responsabilidade pública e ele, invocando os seus direitos, deu como condição inegociável a não revelação dos seus rendimentos, obrigatória para todos os que exercem funções de Estado. No fundo, defendeu os seus interesses.

É um homem que impõe condições, que estaria feliz reformado a fazer vela, a ler filosofia e a escutar jazz no seu caríssimo e sempre atualizado sistema de som; homem de feições sérias e portador de um currículo sedutor, não poderia deixar de ser, aos olhos do Governo impotente e desordenado de António Costa, como uma vistosa e atraente mulher que promete um futuro melhor… Bem, pelo menos mais leve! E foi Mário Centeno, que demonstrou neste processo um caráter fraco e diria mesmo desleal., quem o convidou solenemente para presidir à nossa bem-amada Caixa de Pandora.

Isto, para o nosso Domingues, grande planeador de vida, calculista, que tudo prepara, poderoso antecipador, que amontoou com o passar do tempo condições para conseguir um pouco de paz e felicidade numa reforma abastada entre interesses pretensiosos, foi um pesado golpe que o desequilibrou e abalou até às últimas fundações!

UMA REFERÊNCIA histórica para esse senhor: os estóicos, tal como os romanos, sobrepunham sempre a política à filosofia. Quem não escuta as palavras severas de Cícero que ecoam pelos séculos? Para eles, meu caro senhor amador de filosofia, o serviço à nação estava bem acima da tranquilidade e contentamento individuais. Torna-se claro que o convite foi como um barrar-lhe o seu direito de ser feliz aguardado durante anos; num artigo qualquer, foi mesmo dito que «a Caixa atravessou-se no seu caminho»: no fundo, cada português deveria ter pena do pobre António, que fora «apanhado de surpresa» pelo convite para liderar o banco do Estado, e que receberia – aqui talvez se dê um significativo câmbio de opiniões – mais de 30.000 euros por mês, o dobro do antigo presidente. Que tragédia portuguesa, a de ser rico quando não se quer!

Exponho agora uma nova questão, que remete bem para lá do emaranhado de direitos que asfixiam os nossos cidadãos. É uma questão simples, diria quase vulgar, inocente ou – de acordo com outros menos amáveis – inconsciente. Uma pergunta que não deveria ser suscitada a partir de uma certa idade. Ei-la: e por que não ser transparente? O que há de realmente tenebroso na claridade? Não compreendo… Custa assim tanto a um homem honesto revelar de onde vem o seu dinheiro? Não temos todos obrigação nem interesse em saber as origens do rendimento de todos – mas, para um cargo tão importante (ainda por cima sendo a razão da transparência de rendimentos intuitivamente justificada), é realmente tamanho o transtorno?  Não é a transparência necessária para a honestidade, tanto mais quando se lida com dinheiro público, nosso?

Só os vilões fogem da transparência… Então por que razão um homem honesto impõe como obrigatória a revogação de uma lei que existe para nossa segurança?

Como pode todo o drama mediático que resultou deste jogo de bastidores não acentuar precisamente a premissa primordial: que, ao convite para servir o país num momento crítico da nossa história, António Domingues tenha respondido com exigências e condições?

CLARO QUE O POBRE ministro, submisso como é, deixando para trás a sua dignidade viril, não fez mais que aceitar os caprichos da donzela que com tanto afinco cortejava. Tudo o resto é desenlace natural no seio do ninho de víboras que nos governa. Mas teremos nem que seja um homem entre as divas que se perpetuam nos altos cargos do nosso país?

Em toda esta polémica desagradável, é ainda assim muito difícil trazer ao de cima quem é, de facto, o culpado e qual o crime ao certo… Torna-se óbvio aos olhos dos nossos concidadãos o nível dos nossos governantes. Mas ainda assim, quanta dificuldade em fazer-se justiça! Porque, para cúmulo da nossa situação, temos os pseudo-sociais, militantes do ‘progresso’, auto-intitulados defensores dos nossos direitos, a inibir deliberadamente a transparência, o próprio direito ao acesso à verdade, travando a exposição das cartas e SMS que poderiam esclarecer tudo de uma vez por todas. Por favor, que alguém me tire o direito à liberdade e me devolva o velho e tão desejado direito à verdade!