Sindicatos contra geringonça

Os sindicalistas não gostam de ser confrontados com soluções negociadas no Parlamento. Federação da CGTP convocou greve da Função Pública para 26 de maio e Fenprof prepara uma grande manifestação para 18 de abril. Acabou a paz social?

Sindicatos contra geringonça

O Governo está prestes a enfrentar uma onda de contestação como ainda não viveu. A Federação Nacional dos Trabalhadores da Função Pública anunciou uma greve para o dia 26 de maio, mas antes os professores saem à rua para carregar «a maior faixa de sempre» numa manifestação. 

São 500 metros de uma tarja com fotografias de professores com cartazes com algumas das principais reivindicações da Fenprof, que vão formar um cordão humano até à residência oficial do primeiro-ministro no dia 18 de abril.

Depois disso, a Fenprof ainda pode marcar «uma grande manifestação em junho», como anuncia ao SOL o líder da estrutura sindical, Mário Nogueira.

A tensão entre Governo e sindicatos é crescente e tem dois motivos. Por um lado, os sindicalistas não estão contentes com o ritmo – que consideram lento – de reposição de direitos, por outro o próprio modelo de funcionamento desta solução governativa não agrada às estruturas sindicais.

Tensão crescente

Os sindicatos não têm gostado da forma como muitos dos principais dossiês são negociados no Parlamento e apresentados aos parceiros sociais quase como fechados. «Tem sido uma constante desta legislatura haver conversas à margem da concertação social», comenta Pedro Roque da UGT.

«Que o PS negoceie com este ou com aquele partido para nós é indiferente», afirma Mário Nogueira, lembrando que os sindicatos não assinaram nenhum acordo político com o Governo «Quem assinou uma posição conjunta foi o BE, o PCP e o PEV. Nós não assinámos nada», frisa o sindicalista afeto à CGTP.

«O que está a acontecer é que as propostas estão a chegar aos sindicatos já acabadas e sem discussão. E isso recusamos», frisa, em entrevista ao SOL, Ana Avoila, também da CGTP.

Avoila, que anunciou esta semana a greve de 26 de maio, diz que a paciência se esgotou com o Governo no que toca à reposição das 35 horas de trabalho para todos os funcionários públicos e aos aumentos salariais. Mas a sindicalista também não está contente com um modelo de integração dos precários no Estado que obriga à realização de concursos e não está disposta a aceitar um descongelamento faseado das carreiras na Função Pública.

‘Reposição de direitos está a derrapar’, diz Nogueira

«Se numa primeira fase do Governo parecia que a reposição de direitos ia acontecendo a um ritmo mais ou menos certo, de repente isso começou a derrapar», analisa Nogueira que vê «areia debaixo dos pneus» da ‘geringonça’, numa altura em que os constrangimentos dos compromissos europeus são cada vez mais incompatíveis com as exigências dos sindicatos e das esquerdas.

«Entendemos que temos de ser um pouco mais exigentes com o Governo. Valorizamos o que foi feito, mas dizemos que há matérias estruturantes que não estão consignadas no compromisso final. Porque o Governo não quis», apontava esta semana o líder da CGTP, Arménio Carlos, em entrevista ao JN.

O combate à precariedade é um dos pomos da discórdia para a Fenprof, que lembra que «apesar de terem sido abertos 3.400 lugares nos quadros, ainda há mais de 25 mil professores precários». Mário Nogueira frisa que «mais de metade dos precários no Estado são professores» e ficaram fora do processo de integração definido pelo Governo.

Outra luta que une os funcionários públicos é a exigência do descongelamento das carreiras já em 2018. Mário Centeno anunciou que vai propôr as progressões nas carreiras de forma faseada, mas isso para os sindicatos – que há sete anos vêm os trabalhadores sem aumentos – não chega. «Se a 1 de janeiro de 2018 não estiverem descongeladas as carreiras, nós não queremos saber das soluções que possam vir a ser acordadas no Orçamento do Estado», avisa Nogueira.

Mas há mais: os docentes querem aliviar os horários de trabalho, rever as regras da aposentação e travar a municipalização da gestão escolar que faz parte da descentralização «que está a ser acordada com o PSD».

Para já, a Fenprof ainda não decidiu se adere à greve de 26 de maio, porque ainda não reuniu para debater esse ponto. Mas é certo que os professores vão voltar às ruas.

A Fesap – que representa os funcionários públicos afetos à UGT – também ainda não decidiu se vai participar nessa paralisação dos serviços do Estado. José Abraão explica ao SOL que antes a estrutura sindical que dirige quer tentar chegar a um acordo com o Governo semelhante àquele que foi firmado em 2016 e que permitiu acabar com a mobilidade especial, repor as 35 horas e inscrever novas obrigações de formação profissional na Administração Pública.

UGT dá prazo ao Governo

A proposta foi feita na quinta-feira numa reunião com o Governo. «Agora estamos à espera», diz José Abraão, que tenciona dar «mais uma ou duas semanas» ao Executivo antes de partir para um anúncio de greve que até já estava em cima da mesa graças a uma moção aprovada no Congresso da UGT no final de março.

O objetivo da UGT é «esgotar a via negocial» antes de partir para outras formas de luta. Mas José Abraão não esconde o descontentamento da Fesap com o modus operandi de António Costa, que começa as negociações no Parlamento com os partidos da esquerda e apresenta soluções aos sindicatos que aparecem já quase como fechadas.

«Os sindicatos não podem ficar à margem das negociações, até para cumprir a lei de negociação da Administração Pública, frisa Abraão.

Programa de Estabilidade põe pressão sobre metas

A bola está agora do lado do Governo que ainda pode tentar chegar a acordos com os sindicatos para travar esta onda de contestação que se parece estar a desenhar no horizonte. Mas não será fácil satisfazer as exigências sindicais ao mesmo tempo que se desenha um Programa de Estabilidade que será apresentado no Parlamento a 19 de abril e que deverá apontar para um défice de 1,4% já para 2017.

O novo valor – que será enviado a Bruxelas até ao final do mês – representa uma revisão em baixa da meta de 1,6% inscrita no Orçamento deste ano e revela que o Governo continua a querer cumprir à risca os ditames do Tratado Orçamental. A posição serve para ganhar credibilidade em Bruxelas e ajudar a alavancar a saída do procedimento por défices excessivos já em maio. Mas implica constrangimentos que chocam de frente com as pretensões dos sindicatos e das esquerdas.