A direita num labirinto

Na semana passada escrevi que o PS tem de se libertar rapidamente dos seus parceiros de extrema-esquerda, que bloquearão qualquer reforma que o Governo decida fazer para responder às pressões externas.

Mas há mais: António Costa não quererá que o défice deste ano seja superior ao do ano passado.

Na verdade, o défice de 2,1% colocou-lhe um problema complicado: se este ano o défice fosse superior, pareceria que andámos de cavalo para burro.

Em vez de reduzirmos o défice, aumentávamo-lo.

E isso seria um péssimo sinal para Bruxelas e sobretudo para os credores.

O Governo vai ter, pois, de enfrentar esta questão – mas dificilmente contará com o BE e o PCP para o apoiar.

Tendo já esperneado contra o facto de o défice ser tão baixo – e pronunciando-se diariamente contra o euro e a ‘ditadura de Bruxelas’ –, o PCP e o BE não se conformarão com um défice de 2% ou menos.

Sendo assim – repito –, o PS tem de começar a pensar muito seriamente em eleições, para poder governar com maioria.

António Costa, aliás – apesar das afirmações em contrário –, deve estar irritado com as constantes críticas de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, que subiram de tom com a venda do Novo Banco.

A ‘geringonça’ já deu o que tinha a dar.

Até agora, Costa tem mantido um pé na extrema-esquerda e outro em Bruxelas.

Mas já fez a espargata.

Abrir mais as pernas será impossível.

Entretanto, neste cenário, qual será o papel da direita?

Começo por recordar que o PSD é um saco de gatos.

Ao contrário do PS – que, quando já eram evidentes as tropelias de Sócrates, continuava a apoiá-lo incondicionalmente (António Costa incluído) –, no PSD muitos militantes não param de fustigar o líder: Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, Miguel Relvas, Rui Rio, Carlos Encarnação, Morais Sarmento, Pacheco Pereira, Ângelo Correia, etc.

Depois, o CDS não aparenta estar muito virado para se entender com o PSD.

Pelo contrário: Assunção Cristas parece mais empenhada em medir forças com o seu antigo parceiro de coligação, para lhe roubar votos e alterar o equilíbrio à direita.

É evidente que, se estivesse interessada numa aliança com o PSD, Cristas não teria avançado para Lisboa sem previamente conversar com Passos Coelho.

Por estas duas razões, é muito difícil a direita voltar ao poder a curto ou médio prazo.

E, se o conseguisse, seria apenas porque as finanças rebentaram – e Portugal precisaria de uma nova injeção de austeridade.

Ou seja, lá teria de ir a direita fazer outra vez de bombeiro e apagar o fogo ateado pela esquerda.

Mas o que aconteceria neste caso?

A CGTP, que tem estado quieta e calada, voltaria à rua.

Regressariam as manifestações diárias, as perseguições e insultos a ministros, as batalhas campais à porta do Parlamento, algumas greves gerais. 

Os media, que têm estado muito calmos, passando em geral a mensagem que o Governo de esquerda quer passar, voltariam a assanhar-se – não tardando as campanhas contra a nova austeridade.

O Tribunal Constitucional voltaria a chumbar medidas aprovadas pelo Parlamento.

O Presidente da República, que tem sido o anjo da guarda deste Governo de esquerda, não apoiaria do mesmo modo um Governo de direita – pois, para conservar a popularidade, necessita de não ter a hostilidade da esquerda e, em particular, das forças sindicais.

Ora, com toda esta enorme oposição – dos sindicatos, dos partidos da esquerda, do Tribunal Constitucional, do próprio Presidente da República, para não falar da oposição interna do PSD –, seria quase impossível a direita governar.

Mas se, mesmo assim, conseguisse fazer qualquer coisa e levar a cabo algumas reformas, quando a esquerda voltasse ao Governo encarregar-se-ia de desfazer o que tivesse sido feito, como recentemente aconteceu.

De que valeriam, então, os esforços e os sacrifícios realizados?

Não valeriam de nada.

Ora, sabendo isto de antemão, que motivação tem a direita para regressar ao poder?

Nenhuma.

Assim, para Portugal permanecer na União Europeia e no euro, a única hipótese é ser o PS a fazer algumas reformas que Bruxelas exige – e isso implica libertar-se da canga da extrema-esquerda e provocar eleições.

Julgo que, se isso acontecer, o PS terá hoje hipótese de alcançar uma maioria absoluta.

«Em política, o que parece é», como disse um dia Salazar – e António Costa conseguiu criar a ideia de que vivemos num mar de rosas.

Mas, ainda que não consiga alcançar essa maioria, existe uma possibilidade que hoje parece impensável mas poderá voltar a acontecer: uma coligação com o CDS.

Não será por acaso que Assunção Cristas tem mostrado tanta preocupação em demarcar-se do PSD.

Ela poderá querer tornar-se o fiel de balança do regime, aliando-se à direita ou à esquerda para formar maiorias.